Rússia escolhe Kiev como alvo no segundo dia de guerra na Ucrânia

Tropas russas preparam cerco à capital ucraniana – que tem sido atingida com mísseis e em cujos arredores se travam combates intensos. Zelensky acusa Putin de alvejar civis e lamenta falta de apoio militar do Ocidente. “Fomos deixados sozinhos a defender o nosso Estado”.

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A invasão das tropas da Federação Russa ao território ucraniano, lançada na quinta-feira, desdobra-se, neste momento, em quatro grandes frentes de combate. Nas últimas horas, porém, a ofensiva russa tem focado grande parte da sua atenção na capital da Ucrânia. O Exército ucraniano prepara-se, por isso, para um longo dia de combates nos arredores de Kiev, e vai tentar evitar a todo o custo um cerco à cidade.

Desde as primeiras horas da manhã desta sexta-feira que Kiev tem sido alvo de mísseis e há registo de várias explosões em diferentes pontos. O barulho das sirenes tem sido constante e milhares de pessoas continuam a tentar abandonar a capital e outros centros urbanos do país.

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Há muitos relatos, uns confirmados, outros por confirmar, sobre a entrada, ou a tentativa de entrada, de tropas russas em diferentes zonas de Kiev. Para além disso, os meios de comunicação dos dois países em guerra também fazem por descredibilizar as informações que um e outro partilham.

Destroços de um avião não identificado, que se despenhou contra uma casa em Kiev REUTERS/Umit Bektas
Militares ucrânianos, posicionados em Kiev REUTERS/Gleb Garanich, REUTERS/Gleb Garanich
Comboio de passageiros de Kiev para Varsóvia. Cerca de 29.000 pessoas atravessaram a fronteira com a Polónia nas últimas 24 horas.,Comboio de passageiros de Kiev para Varsóvia. Cerca de 29.000 pessoas atravessaram a fronteira com a Polónia nas últimas 24 horas. EPA/Wojtek Jargilo
Militares ucrânianos, posicionados em Kiev REUTERS/Gleb Garanich
Uma mulher com uma criança a caminho do refúgio durante um alerta aéreo, REUTERS/Gleb Garanich
População rumou a abrigos REUTERS/Viacheslav Ratynskyi
As estações de metro também são utilizadas como abrigo REUTERS/Irakli Gedenidze
Dispositivos electrónicos são usados para saber o que se passa no exterior REUTERS/Viacheslav Ratynskyi
Míssil cai junto a Kiev na madrugada desta sexta-feira EPA/SERGEY DOLZHENKO
A devastação numa casa depois de mais uma investida das forças russas em Kiev REUTERS/Umit Bektas
O desalento no rosto dos habitantes de Kiev depois de mais uma noite de sobressalto REUTERS/Umit Bektas
Um jovem casal que se juntou as defesas territoriais após receber armas e munições. EPA/MIKHAIL PALINCHAK
Soldados de defesa territorial recebem armas e munições em Kiev EPA/MIKHAIL PALINCHAK
Na estação central de Kiev uma multidão aguarda por um comboio para Lviv. REUTERS/Umit Bektas
Ruas vazias em Kiev. REUTERS/Valentyn Ogirenko
Um edifício danificado pelos ataques russos a Kiev
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Destroços de um avião não identificado, que se despenhou contra uma casa em Kiev REUTERS/Umit Bektas

A Ucrânia diz que abateu um avião russo que atacava a cidade, mas o Exército russo nega esta informação e dá conta de um bombardeamento ucraniano a uma cidade russa, Belgorod, situada a cerca de 40 quilómetros da fronteira.

“Terríveis ataques com mísseis em Kiev. A última vez que a nossa capital viveu algo semelhante foi em 1941, quando foi atacada pela Alemanha nazi. [Mas] a Ucrânia já derrotou esse mal e vai derrotar este”, escreveu no Twitter Dmitro Kuleba, ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano.

“Travem Putin. Isolem a Rússia. Cortem todos os laços. Expulsem a Rússia de todo o lado”, pediu ainda o chefe da Diplomacia ucraniana.

Através do Facebook, as Forças Armadas da Ucrânia informaram que estão em curso confrontos intensos entre as forças russas e ucranianas nos arredores de Kiev, mais concretamente em Obolon (a apenas 10 quilómetros do centro), Dimer (a 45 quilómetros) e em Ivankik (a 80 quilómetros).

“Chegou um grande número de tanques do inimigo”, alertou o Ministério da Defesa, pedido a mobilização da população civil no conflito. “Apelamos aos cidadãos para nos informarem sobre os movimentos de tropas, para fazerem cocktails-molotov e para neutralizarem o inimigo”.

Fonte do Ministério da Defesa disse ainda ao jornal The Kyiv Independent que um grupo de militares russos apreendeu dois veículos das Forças Armadas ucranianas e vestiram uniformes ucranianos antes de seguiram para Kiev.

Grande parte das tropas russas que se está a juntar nas imediações da capital terá entrado na Ucrânia através da fronteira com a Bielorrússia. Há várias semanas que cerca de 30 mil soldados russos realizavam exercícios militares no país de Alexander Lukashenko.

Antony Blinken, secretário de Estado norte-americano, assume que “todas as evidências sugerem que a Rússia pretende cercar e ameaçar” Kiev. Ben Wallace, ministro da Defesa do Reino Unido, vai mais longe, e diz que o objectivo de Vladimir Putin é conquistar o país inteiro.

O ataque à Ucrânia começou por ser descrito pelo Kremlin como uma possível resposta ao pedido de auxílio feito pelos líderes das províncias separatistas ucranianas no Donbass – cuja independência foi reconhecida no início da semana pelo Presidente russo –, mas acabou por ser justificado por Putin com a “necessidade de segurança” da própria Rússia, somada aos seus próprios desígnios históricos e a uma missão de “desmilitarização” e “desnazificação” da Ucrânia.

“A decisão de realizar uma operação de desmilitarização e de desnazificação da Ucrânia foi tomada para libertar os ucranianos da opressão e permitir-lhes que escolham o seu futuro”, insistiu esta sexta-feira de manhã o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov.

Lavrov falava durante um encontro com responsáveis dos separatistas pró-russos do Leste da Ucrânia. Segundo já informara o Kremlin, esta reunião visa discutir as relações entre Moscovo e estas “repúblicas”, nomeadamente o calendário da abertura de embaixadas nas respectivas capitais.

A propósito dos planos militares russos no país vizinho, Lavrov repetiu outra ideia deixada por Putin na véspera, a garantia de que “ninguém está a planear ocupar a Ucrânia”. Só que, como o Presidente russo deixou claro, a Rússia considera que a actual Ucrânia é ilegítima e terá planos para apoiar novos estados dentro das suas fronteiras reconhecidas.

“Quem está pronto para lutar ao nosso lado?”

Volodimir Zelensky, Presidente ucraniano, também falou nesta sexta-feira ao país e acusou Vladimir Putin de estar a ordenar às suas tropas para atacarem alvos civis e não apenas infra-estruturas ou complexos militares.

“Eles [os russos] dizem que os civis não são um alvo. É mentira, eles não distinguem as áreas em que operam”, denunciou o chefe de Estado, que assumiu que ele e a sua família constam entre os principais alvos da ofensiva contra Kiev, mas que prometeu, ainda assim, ficar na capital.

“De acordo com as nossas informações, o inimigo identificou-me como alvo ‘número um’. A minha família é um alvo ‘número 2’. Querem destruir politicamente a Ucrânia, destruindo o chefe de Estado”, afirmou, num vídeo divulgado às primeiras horas da manhã.

Segundo o Ministério da Defesa ucraniano, as Forças Armadas russas atacaram 33 alvos civis e 118 alvos militares. Para além disso, preparam-se para enviar pára-quedistas para ajudarem a manter o controlo das instalações da central nuclear de Chernobil, a Norte de Kiev.

O número total de vítimas mortais ainda é desconhecido, mas as autoridades ucranianas falam em pelo menos 137 mortos.

Zelensky também deixou críticas à NATO e aos países ocidentais, lamentando a falta de apoio militar à Ucrânia e desafiando os seus membros a comprometerem-se com a adesão do país à aliança militar – um dos riscos que a Federação Rússia apontava aquando da sua mobilização militar junto à fronteira.

“Fomos deixados sozinhos a defender o nosso Estado. Quem é que está pronto para lutar ao nosso lado? Não vejo ninguém. Quem é que está pronto para dar à Ucrânia a garantia de uma adesão à NATO? Está toda a gente com medo”, atirou.

Os líderes dos Estados membros da NATO vão reunir-se de urgência nesta sexta-feira, confirmou o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. EUA, União Europeia e Reino Unido, entre outros aliados, responderam nas últimas horas à agressão militar russa à Ucrânia com pacotes de sanções e tentativas de isolamento internacional da Federação Russa em termos diplomáticos e financeiros. A Rússia já prometeu responder ao Ocidente também com novas sanções.

Na sua intervenção, o Presidente ucraniano também quis passar uma mensagem de confiança para a população, para contrariar os relatos de que os soldados ucranianos estão a sucumbir facilmente à ofensiva russa.

E, pelo meio, lançou um desafio a Moscovo: “A Rússia terá de falar connosco, mais cedo ou mais tarde, para falar sobre como parar os combates e travar a invasão. Quanto mais cedo esta conversa começar, menores serão as perdas para a própria Rússia”.

“Estamos prontos para negociações, em qualquer momento, desde que as forças ucranianas oiçam o nosso apelo e deponham as armas”, respondeu-lhe Lavrov.

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