Costa Silva acredita que a Rússia pode voltar a cortar abastecimento de gás à Europa

Ex-presidente da companhia petrolífera da Gulbenkian recorda que “em 2009, no pico do Inverno”, a Rússia “deixou muitos países da Europa Oriental e Central sem energia”.

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António Costa Silva preside à Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR Rui Gaudencio

O especialista em energia António Costa Silva está convicto de que a Rússia poderá interromper o abastecimento de gás natural à Europa, criticando o facto de não terem sido diversificados os fornecimentos nem reforçadas as interligações de energia da região.

Em declarações à Lusa, questionado sobre se a Rússia poderá interromper o abastecimento de gás natural ou ainda é viável um cenário de redução do abastecimento, o ex-presidente do conselho de administração da petrolífera Partex (alienada pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2019) diz que “não é uma questão de crença, é a força dos factos”.

“A Rússia já usou a energia num passado recente como arma geopolítica e interrompeu o abastecimento à Europa em 2006, 2007 e 2009. Em 2009, no pico do inverno, deixou muitos países da Europa Oriental e Central sem energia”, afirma.

António Costa Silva alerta que “isto nunca aconteceu durante a Guerra Fria nem quando as tensões estavam ao rubro, mas com o presidente Vladimir Putin, em pleno século XXI, aconteceu e portanto pode voltar a acontecer”.

O autor da “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020/2030″ e que preside actualmente à Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) sublinha que a Alemanha recebe, através do gasoduto Nord Stream 1, cerca de dois terços de todas as suas importações de energia, pelo que acredita que “uma Rússia acossada e atingida por sanções mais severas pode fazer ajoelhar a Alemanha em poucos dias”.

A Alemanha anunciou na terça-feira a suspensão do processo de certificação do gasoduto Nord Stream 2, para distribuição de gás natural russo à Alemanha, como resposta às acções de Moscovo na Ucrânia.

“Sem essa certificação, o Nord Stream 2 não pode ser colocado em funcionamento”, disse o chanceler alemão, Olaf Scholz, durante numa conferência de imprensa conjunta com o primeiro-ministro irlandês, Micheal Martin, acrescentando que o assunto vai ser “reexaminado” pelo governo alemão.

Para o gestor, a aposta deveria ter sido fazer “funcionar na Europa o Mercado Único da Energia, diversificar os abastecimentos, desenvolver toda a fachada Atlântica com Portugal e a Península Ibérica como receptores de gás e produtores de energias renováveis e com as ligações transfronteiriças, fortalecendo toda a rede europeia e diminuindo substancialmente a dependência energética da Rússia”, justifica.

Apesar de explicar que o impacto do conflito em Portugal “é marginal” do ponto de vista do fornecimento de energia, uma vez que o país importa gás principalmente da Argélia e da Nigéria “e, no que concerne ao petróleo, tem uma panóplia diversificada de fornecedores”, o país deverá sofrer com os efeitos indirectos.

O Governo português garantiu esta quinta-feira que está salvaguardado o abastecimento dos sistemas nacionais de gás e de petróleo, caso a Rússia corte o fornecimento à União Europeia, após invasão à Ucrânia e consequentes sanções internacionais a Moscovo.

“A garantia do abastecimento do Sistema Nacional de Gás e do Sistema Petrolífero Nacional estão salvaguardadas, merecendo e tendo, necessariamente, o acompanhamento próximo e constante pelo Governo e demais entidades competentes”, de acordo com uma nota enviada às redacções pelo Ministério do Ambiente e da Acção Climática.

O Governo lembrou que em 2021 apenas 10% das importações de gás natural (GN) em Portugal foram provenientes da Rússia, “pelo que não se antevê que uma potencial interrupção do fornecimento por parte da Rússia represente uma disrupção no fornecimento de GN a Portugal”.

Petróleo pode atingir 140 dólares por barril

O especialista em energia estima que o petróleo poderá subir até 140 dólares se o conflito na Ucrânia persistir, depois o barril de petróleo Brent, de referência na Europa, ter hoje voltado a bater os 100 dólares.

“As perspectivas, se a guerra na Ucrânia se prolongar são de uma subida até aos 120 dólares por barril”, num cenário em que o governo ucraniano capitula à Rússia, ou “mesmo [chegar aos] 140 [dólares] se o conflito persistir”, “com a Ucrânia enfraquecida e disfuncional, com a presença russa nos sectores vitais do país”, afirmou em declarações à Lusa o ex-presidente do Conselho de Administração da Partex.

O especialista em energia aponta como consequências os “altos preços das matérias-primas, da energia e dos bens alimentares”, bem como o “crescimento das tensões inflacionistas”, a “subidas das taxas de juro e do serviço da dívida”, a “volatilidade e instabilidade nos mercados em particular financeiros” e uma “maior aversão ao risco e ao investimento”, assim como “maiores dificuldades para a recuperação rápida da economia no pós-Covid”.

Questionado sobre o impacto do conflito para a Europa em termos energéticos, António Costa Silva alerta que é “enorme”, uma vez que a Rússia fornece cerca de 40% do petróleo consumido pela Europa e 35% do gás.

“A companhia estatal russa Gazprom é a maior produtora de gás do mundo, controla mais de 30% das reservas mundiais de gás e é um actor energético fortíssimo no mercado europeu sendo que, como aconteceu no passado recente, a Rússia pode usar a energia como arma geopolítica”, salienta.

Exemplifica que em 2021 o preço do gás aumentou cinco vezes, assinalando que, “quando a retoma económica começou, a oferta existente não acompanhou a procura e esta dissonância, aliada às disrupções nas cadeias logísticas internacionais, pressionou os preços em alta”.