Proximidade forçada pelos confinamentos poderá ter evitado suicídios, defende investigador português
“Sabemos que a pandemia traz situações que se aproximam da depressão, da solidão, mas em muitos casos trouxe uma proximidade familiar que fez com que as pessoas ficassem de alguma forma vigiadas umas em relação às outras.”
A pandemia trouxe quadros depressivos, mas para muitas famílias foi também sinónimo de uma proximidade física forçada pelos confinamentos, o que veio garantir que os membros se vigiassem uns aos outros. O fenómeno, defende o investigador Adalberto Dias de Carvalho, poderá ter sido um factor relevante para o controlo de um expectável aumento de suicídios.
Ainda não há estudos sobre os efeitos da pandemia de covid-19 num eventual aumento dos suicídios em Portugal, mas o investigador afirmou que “há a suspeita ou a ideia” de que tal possa ter acontecido, tendo em conta o que foi observado durante outras epidemias, como a do coronavírus SARS em Hong Kong, em 2003, ainda que se tratem de contextos culturais diferentes.
“Sabemos que a pandemia traz situações que se aproximam da depressão, da solidão, mas em muitos casos trouxe uma proximidade familiar — não necessariamente afectiva, mas uma proximidade física — durante o confinamento que fez com que as pessoas ficassem de alguma forma vigiadas umas em relação às outras”, afirmou à agência Lusa o director do Observatório da Solidão do Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo (ISCET).
No seu entender, talvez esta situação possa explicar por que, havendo uma expectativa do aumento de suicídios, tal não tenha acontecido, pelo menos, até ao momento, ressalvando que não há estudos conclusivos.
O investigador, que apontou as estatísticas que indicam que entre três e quatro pessoas se suicidem diariamente em Portugal, explicou que, apesar de haver uma tendência para valorizar os aspectos psicológicos do suicídio, relacionados “com a desvalorização do eu”, e as doenças mentais, como a depressão ou a esquizofrenia, há outras condicionantes de ordem cultural e sociológica que podem conduzir a este acto.
No caso português, diz o também professor, tem a ver com “a presença forte dos valores do cristianismo”, independentemente de se ser ou não católico. “Mesmo numa sociedade laica, como a nossa, há uma presença muito forte das nossas referências culturais que tem a ver com o matar o outro, mas também com o matar-se si mesmo”, que é considerado “um pecado extremo, porque é atentar contra a obra de Deus”.
Uma análise feita à Lusa pela investigadora Luísa Loura, directora da Pordata, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, indica que, entre 2016 e 2019, último ano para o qual há dados disponíveis, os distritos com maior taxa de suicídios nos últimos quatro anos foram Évora, Beja e Faro.
“No distrito de Beja houve uma clara tendência de descida e no Algarve uma ligeira subida”, referem os dados, baseados nos números do Instituto Nacional de Estatística, apontando que os distritos onde houve tendência de subida e onde foi mais significativa foram Vila Real e Porto.
Fazendo uma análise por regiões NUTS III, Luísa Loura salienta que a situação é “especialmente preocupante” no Alentejo Litoral que, apesar da tendência de descida da taxa de suicídios, “apresenta ainda os valores mais elevados”.
Como razões para este fenómeno no Alentejo, Adalberto Dias de Carvalho apontou o clima e o isolamento. “Até há uma coincidência cronológica que quando sopra o vento suão (que sopra de Sul para Sudoeste, transportando ar húmido e quente) aumenta a taxa de suicídios.”
Além disso, explicou, a força da religião no Sul do país não é tão forte como no Norte, relembrando que nos anos 50/60 do século XX, “o Alentejo era considerado terra de missão para a Igreja”.
“Era quase como ir para África para cristianizar as populações que inclusivamente não tinham rituais religiosos, como no Norte em que havia procissões”, que foram sendo introduzidas progressivamente no Sul do país.
Segundo o investigador, as tendências suicidas tendem a ser maiores em pessoas que a sua vida familiar ou profissional está a passar por um momento de fracasso, e sublinha que nunca foi tão importante falar deste tema, mas não só. “É importante que se fale do suicídio para que se previna, mas é preciso estar atento às causas profundas sociais, contextuais do suicídio como a pobreza, o desemprego, a violência doméstica, o bullying e actuar sobre elas”.
Para o professor, “não se pode ter uma visão reducionista do suicídio”, sublinhando que “é uma responsabilidade colectiva”.
Ao longo dos últimos 45 anos, a taxa de suicídios por 100 mil habitantes situou-se quase sempre acima de 7,4, com excepção apenas no período de 1996 a 2001, referiu Luísa Loura. Desde 2007 que o número de suicídios por 100 mil habitantes não desce abaixo dos 9/10, rematou.