“Existe uma ausência clara de liderança no capítulo da mobilidade sustentável”

Congresso que se realiza em Madrid, em Junho, quer dar origem a um conjunto de conclusões que possam ser usadas no mundo inteiro. A renovação do parque automóvel português está a atrasar-se devido à pandemia.

Foto
Nelson Garrido

Com 750 mil milhões de euros para distribuir pelos seus 27 países, a União Europeia quer que os planos de recuperação e resiliência sejam a porta da transição para sociedades e economias mais verdes e justas. Mas “actualmente existe uma ausência clara de liderança no capítulo da mobilidade sustentável”, diz Eduardo López-Puertas, o presidente da feira internacional de Madrid (IFEMA).

É lá que se realiza em Junho o Global Mobility Call, um congresso que o seu organizador descreve como “a Davos da mobilidade sustentável” e que tem como objectivo dar origem “a um conjunto de conclusões que possam ser usadas a nível mundial”. López-Puertas esteve esta quinta-feira na Embaixada de Espanha em Lisboa para lançar o evento junto do público e das empresas portuguesas.

“A pandemia gerou muita criatividade e durante todo este tempo, em que tivemos uma mobilidade muito limitada, questionámo-nos sobre como seriam as coisas depois. Onde queremos estar? Que restrições teremos?”, comentou, em conversa com o PÚBLICO. “Não há actualmente estratégias comuns, não se aproveitam sinergias nem há um espaço comum de debate.”

Se é por causa da pandemia que a UE vai desembolsar somas astronómicas e se foram os vários confinamentos que levaram à procura de novas soluções para problemas antigos (na mobilidade e não só), a covid-19 também originou dificuldades. “A pandemia desacelerou a renovação do parque automóvel que estava em curso”, alertou António Oliveira Martins, director-geral da Leaseplan, no debate com que a IFEMA lançou o congresso madrileno em Portugal.

O responsável pela empresa de leasing automóvel, que diz comprar 7% a 8% dos carros vendidos anualmente em Portugal (cerca de 15 mil), diz que a idade média dos veículos está nos 13 anos, o que significa que “há muitos” a circular que têm 20 anos ou mais. “Esses é que são os verdadeiros poluentes. Não é nos novos diesel que está o problema, o problema está nos carros com mais idade. Há que acelerar esta transição com incentivos muito concretos”, disse Oliveira Martins.

Num debate em que praticamente só se falou de automóveis, a discussão andou sobretudo em torno do que os fará mover. Gasóleo? Hidrogénio? Baterias eléctricas? Alimentadas por que fontes? Um misto de tudo? No painel, ninguém mostrou acreditar numa mudança total para carros 100% eléctricos. António Oliveira Martins deixou outro alerta: “Esta transição está a acontecer nos ligeiros de passageiros. Os carros de mercadorias estão a escapar a esta revolução que está a acontecer e é essencial que a transição energética também aconteça nos veículos comerciais.”

Esse é um ponto que o Global Mobility Call quer ter em conta. “A nossa intenção não é apenas tratar a mobilidade urbana, mas todos os tipos de mobilidade, como a das zonas mais despovoadas, e a da logística, naturalmente. Contamos com os grandes distribuidores, com as grandes linhas aéreas, com os operadores ferroviários e com os portos”, disse Eduardo López-Puertas ao PÚBLICO. “Há alguns congressos que abordam a mobilidade urbana, mas o que pensamos é que isto precisa de uma discussão mais abrangente. Queremos trazer os grandes produtores de electricidade, os fabricantes automóveis, as startups, o sistema financeiro, os autarcas.”

Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, era para ter estado presente, mas não apareceu. O líder do Automóvel Club de Portugal (ACP) lamentou a ausência quando fez uma das poucas menções a transportes públicos da sessão. “Vamos arrumar os carros [em parques à entrada da cidade] e [ter] bons transportes públicos. A Câmara de Lisboa mete 75 milhões por ano na Carris. Para quê? Está bem, compraram autocarros novos, são limpíssimos. E depois? Tem a certeza de que o autocarro vai chegar a horas para ir ao cabeleireiro ou ao ginásio? Não sabe”, lamentou Carlos Barbosa,

Miguel Eiras Antunes, que lidera na consultora Deloitte o departamento sobre smart cities, disse que a electrificação da frota automóvel é uma tendência que se tem acelerado, mas que ainda é cedo para dizer se vai ser dominante. Outras tendências que se estão a desenvolver, afirmou, são a partilha de carros (carsharing), o recurso a várias soluções de mobilidade (como bicicletas, trotinetes e transportes públicos), a micrologística e a oferta pelas empresas aos trabalhadores de pacotes de mobilidade em vez de carros ou passes.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários