Sapataria histórica A Deusa fechou na Baixa de Lisboa
Tribunal de segunda instância aceitou uma acção judicial interposta pelo senhorio e já não há mais hipóteses de recurso. Sapataria tem o estatuto de Loja com História desde 2019, num momento em que o processo já ia adiantado.
A Deusa, uma sapataria da Baixa aberta em 1951 e que desde 2019 está classificada como Loja com História pela Câmara de Lisboa, fechou esta quarta-feira por ter sido executada uma decisão judicial favorável ao senhorio.
Os proprietários do edifício na Rua 1.º de Dezembro interpuseram uma acção de despejo contra a loja, que em primeira instância foi decidida a favor dos inquilinos. Mas o Tribunal da Relação aceitou um recurso do qual já não é possível recorrer.
“Espero que não seja para sempre, mas hoje é um dia triste”, disse à agência Lusa o actual gerente d'A Deusa, José Fiandeiro, salientando que com o encerramento da loja ficam no desemprego ele próprio e dois funcionários, que ali trabalham “desde miúdos” e que agora têm idades entre os 58 e os 60 anos.
Os dirigentes da sapataria dizem ter sido avisados na semana passada que teriam de sair, mas pediram “que houvesse mais um tempo” para se organizarem. “Hoje apareceram sem avisar a dizer-nos para entregarmos a chave, com a polícia, e que iriam mudar a fechadura e foi o que fizeram”, disse José Fiandeiro.
A sociedade que gere A Deusa “foi declarada insolvente”, explicou ao PÚBLICO a advogada da sapataria, Isabel Navarro, mas “um dos credores propôs-se a adquirir as quotas” e apresentou um processo especial de revitalização (PER), que veio a ser homologado pelo tribunal em 2018. Mas, entretanto, a loja esteve encerrada e o senhorio avançou com a acção de despejo. Na origem da acção esteve a falta de pagamento de rendas, confirmou o PÚBLICO junto dos advogados do senhorio.
A classificação de Loja com História concede aos estabelecimentos uma protecção especial contra despejos e cancelamentos de contratos de arrendamento, mas isso não chegou a ser discutido em tribunal. “A distinção foi requerida em Agosto de 2018, mas a deliberação camarária data de 17 de Outubro de 2019”, explica Isabel Navarro. Neste período, o processo seguiu os seus trâmites e teve a decisão agora conhecida. A advogada, que tomou o caso em mãos apenas há poucos dias, admite que esta “não é passível de recurso”, mas ainda não deita a toalha ao chão: “Estamos a estudar o assunto.”
José Fiandeiro explicou à Lusa que os últimos anos têm sido complicados para A Deusa, longe dos tempos áureos em que as senhoras faziam filas à porta para comprar sapatos. De acordo com este funcionário, o senhorio é “um fundo imobiliário estrangeiro” que pretende transformar o edifício “em mais um hotel numa Baixa que já não tem comércio nem gente, porque os mais velhos ou morrem ou são empurrados dali para fora”.
A sapataria foi fundada em 1951 e vendia sapatos de senhora, sobretudo de fabrico nacional, mas depois da reestruturação passou a vender também marroquinaria e acessórios. A loja tem um baixo-relevo em bronze que representa uma deusa hindu, de acordo com o site das Lojas com História. Além da Deusa propriamente dita, distinguem a loja cadeiras em cabedal branco, um sumptuoso candeeiro e a geometria das caixas de cartão perfeitamente alinhadas nas paredes, muito ao gosto dos anos de 1950. “Todo o estabelecimento, a forma como a sapataria está construída, é arte que está ali”, disse José Fiandeiro, assegurando que vão ser feitos “os possíveis e os impossíveis para que ela volte a abrir”.