Municípios maiores gastam menos per capita em contratos públicos do que os pequenos

Em dez anos, as autarquias portuguesas fizeram 311 mil contratos públicos e gastaram 16,9 mil milhões de euros. Mas como se comparam municípios que são muito diferentes entre si? Investigadores desenvolveram ferramenta com indicadores ajustados à escala.

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Lisboa Fez contratos no valor de 1200 milhões de euros, ao longo de uma década, entre 2009 e 2019 Nuno Ferreira Santos

Sabia que os municípios do Norte geralmente gastam mais em obras públicas do que os do Sul, que por sua vez tendem a gastar mais em bens e serviços? E que os concelhos mais populosos investem proporcionalmente mais em serviços do que em obras? E ainda que entre as autarquias do interior e do litoral verifica-se também a mesma assimetria na contratação pública?

“Como é que nós comparamos os municípios de Benavente ou de Torres Vedras, por exemplo, com o de Lisboa ou do Porto?” Foi uma pergunta deste género que levou um grupo de investigadores da Nova Information Management School (Nova IMS) a desenvolver uma ferramenta que permite identificar padrões de contratação e chegar a algumas conclusões como as do primeiro parágrafo. O resultado está num artigo publicado na revista científica PLOS One.

A equipa foi ao portal Base buscar todos os contratos públicos feitos pelas autarquias portuguesas entre 2009 e 2019, incluindo os das empresas municipais. Mas em vez de apenas analisar a despesa per capita, o que, segundo Bruno Damásio, produz “enviesamentos”, juntou-lhe uma série de indicadores ajustados à escala. “O que nós quisemos perceber foi a relação entre a despesa do município e as características desse município. O que é que é um padrão expectável de contratação pública para um determinado organismo? A análise comparativa entre instituições é complicada pela falta de indicadores que permitam uma comparação adequada”, diz ao PÚBLICO o docente e coordenador do estudo.

Entre os indicadores colocados na análise estão os volumes de importações e exportações, o consumo de energia, o número de funcionários públicos, os preços da habitação, os nascimentos e os levantamentos de dinheiro em caixas multibanco, entre outros.

Isto permitiu concluir que “os municípios maiores gastam proporcionalmente menos per capita do que os municípios mais pequenos” e que “este diferencial é maior nas obras públicas do que nos serviços”, diz Bruno Damásio.

Mas isso não se verifica ao longo dos dez anos estudados. O efeito de escala, sobretudo no que toca às obras públicas, esbateu-se “ligeiramente” a partir de 2014/2015. Ou seja, as autarquias com mais população começaram a gastar proporcionalmente mais. “Essa mudança, especulamos nós, poderá estar relacionada com a entrada em vigor da nova Lei das Finanças Locais [2014]”, diz Bruno Damásio. Essa legislação apertou as regras do endividamento autárquico, complicando a vida aos concelhos mais pequenos no acesso a dinheiro.

Casar dados

Entre 2009 e 2019, as câmaras municipais portuguesas celebraram quase 311 mil contratos públicos e gastaram cerca de 16,9 mil milhões de euros. Lisboa e Porto lideraram a tabela, com um intervalo de contratos entre os 8611 e os 18303 e um intervalo de investimento entre os 698 e os 1200 milhões de euros. A grande maioria dos municípios, no entanto, não celebrou mais de 947 contratos nesse período e gastou um máximo de 50 milhões de euros. As capitais de distrito e algumas autarquias nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto ficaram entre os dois extremos.

A análise dos investigadores permite perceber também que nos meses que antecederam as autárquicas houve mais contratos públicos do que nos anteriores e que antes das eleições de 2009 e 2017 a despesa pública também aumentou face aos meses precedentes. Nas eleições de 2013, quando o país ainda estava a cumprir o programa da troika, os gastos não se alteraram em relação ao passado mais próximo.

“Estes dados são muito ricos e rapidamente se podem casar com outras fontes”, diz Bruno Damásio. Poderá ser interessante cruzá-los com dados de consumo ou de transacções com cartões bancários, com a informação sobre a propriedade e gestão das empresas que ganham contratos e com estatísticas sobre impostos, exemplifica. Mas também se pode tentar perceber se as mudanças dos partidos políticos nas câmaras se reflectem nos padrões de contratação. Em última análise, diz Damásio, isto poderia traduzir-se em maior transparência.

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