Carris contratou mais 64% motoristas mulheres nos últimos cinco anos

Os números de motoristas mulheres da Carris subiram significativamente nos últimos anos. Apesar disso, as mulheres continuam em minoria nos autocarros. Rosa Garcia, tripulante da empresa, garante que esta já não é uma profissão reservada aos homens, mas as mulheres atrás do volante continuam a sofrer discriminações.

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Rosa Garcia é motorista da Carris há 27 anos Daniel Rocha

A Carris contratou nos últimos cinco anos mais 64% motoristas mulheres face ao universo actual de mulheres motoristas ou guarda-freios da empresa, segundo dados fornecidos ao PÚBLICO pela transportadora. Foi também nestes últimos anos que quase metade de todas as trabalhadoras entrou na empresa. ​Apesar disso, as motoristas continuam a compor apenas 7% da equipa de tripulantes.

Actualmente, a Carris emprega 281 mulheres entre os mais de 2500 trabalhadores que fazem parte da equipa da transportadora, ou seja, apenas 11% dos colaboradores da Carris são mulheres. Mas foi nos últimos anos que a mudança acelerou: do universo feminino, 47,5% entraram desde 2017. No caso dos motoristas, o número é ainda mais baixo, correspondendo a menos de 10%, já que dos 1800 tripulantes da transportadora apenas 133 são mulheres.

Na sua maioria, as mulheres ocupam as funções de motorista dos autocarros ou guarda-freio dos eléctricos (48%), seguidas das áreas administrativas (22%) e dos cargos de chefia (12%), sendo que seis destas integram as chefias de primeiro nível, isto é, são directoras da empresa.

A Carris garante que não coloca “qualquer barreira à contratação de mulheres”, nem faz “distinção nos processos de recrutamento”, mas justifica os números com o facto de as mulheres se candidatarem menos do que os homens, em particular, às áreas operacionais de tráfego e de manutenção.

"Nós somos como os nossos colegas"

Rosa Garcia, conhecida na Carris pelo seu segundo nome, Yolanda, é uma das mulheres que compõe estes números e trabalha como motorista há 27 anos. Embora conduza autocarros há quase três décadas, diz que os viajantes ainda ficam surpreendidos quando a vêem ao volante. “Fico admirada porque já faço isto há muitos anos, mas ainda hoje há pessoas que dizem: ‘Ah, tão giro, uma motorista!’, e que estranham uma senhora a conduzir”, conta.

Natural de Cabo Verde, a tripulante de 49 anos veio para Portugal com os irmãos e os pais em pequena. Sempre teve um fascínio por autocarros antigos e adorou conduzir - chegou mesmo a conduzir grávida de sete meses do Algarve até à capital assim que foi aprovada no exame de condução -, mas foi em Lisboa, ao apanhar diariamente o 728, que o bichinho por se tornar motorista de pesados surgiu. “Sentava-me sempre à frente para ver como os motoristas transportavam os autocarros e aquilo fascinava-me”, diz, com um brilho nos olhos.

Acabou por se candidatar e juntar à Carris quando andava nos seus vintes, em 1994, altura em que a empresa estava à procura de mulheres para compor a equipa de guarda-freios dos eléctricos, que até hoje são os veículos com mais motoristas mulheres. “Morava no Barreiro e mal sabia o que era um guarda-freio”, conta, a rir. Ainda assim, acabou por ficar dois anos e meio naquele serviço, até pedir transferência para os autocarros, já que não gostava das interrupções do trânsito. “Comigo é sempre a abrir”, graceja.

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"Yolanda", como é conhecida pelos colegas, é também formadora e cantora na banda da Carris Daniel Rocha/PUBLICO

Desde então, Rosa tornou-se formadora de pesados dos novos motoristas da Carris, já foi inspectora e fiscal, funções que diz serem “menos gratificantes”, e pelo meio fez um interregno como taxista na Suíça. Agora, para além de cantar na banda da Carris, faz a carreira do 727 (Est. Roma-Areeiro - Restelo) a partir das 6h30, apesar de preferir os articulados como o 750 (Oriente - Algés), que conduziu tantos outros anos.

Dessa carreira, “onde tudo se passa”, guarda boas memórias. Não apenas pelo desafio de conduzir aquele tipo de veículo, mas porque era ali que encontrava outros cabo-verdianos. “Às vezes quando conduzia o primeiro carro da manhã éramos todos de Cabo Verde e as pessoas diziam: ‘Olha, até a motorista é como nós!’”, relata, sorrindo.

Esses encontros mais próximos quebravam a solidão que sente no dia-a-dia. Ainda que contacte diariamente com dezenas de pessoas, a maior parte nem a cumprimenta quando entra no autocarro, queixa-se.

Do 746 (Marquês Pombal - Est. Damaia) também guarda memórias, mas essas menos positivas: das empregadas da limpeza que tantas vezes teve de acordar de madrugada para saírem nas suas paragens. “Aquilo é muito duro”, diz com um aceno de cabeça de um lado para o outro.

Ao contrário do universo das limpezas, garante que a profissão de motorista já não é só dos homens e que ao longo dos anos tem visto cada vez mais mulheres a entrarem na Carris. Apesar disso, são várias as discriminações que carrega consigo - homens que não entram nos transportes, homens que tecem comentários como “hoje vamos perder o barco”, homens que fazem elogios quando conduz bem, homens que a tratam por “menina”.

“Às vezes ignoro, outras vezes faço-os engolir o que dizem, porque também irrita estarem sempre a deitar-nos abaixo. Nós somos como os nossos colegas”, afirma Rosa Garcia. “Fazemos o trabalho tão bem como eles. Ou melhor”.

Texto editado por Ana Fernandes

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