O decurso do tempo e os fundamentos do divórcio
A simples propositura de uma acção de divórcio de um cônjuge contra o outro é, em si, reveladora de uma ruptura do casamento.
Os fundamentos do divórcio encontram-se previstos no artigo 1781.º do Código Civil. Assim:
“São fundamento de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:
a) A separação de facto por um ano consecutivo;
b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade da vida em comum;
c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;
d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento”.
Quanto aos três primeiros fundamentos, conforme resulta da lei, a sua verificação depende do decurso de um prazo, contrariamente ao que sucede quanto ao fundamento de divórcio previsto na alínea d).
Assim, para accionamento da previsão da alínea d), importa que se verifique uma situação em que, objectivamente e independentemente da culpa dos cônjuges e do prazo, existam situações que comprometem a manutenção do casamento, demonstrando uma ruptura definitiva da relação matrimonial.
Na grande maioria das situações apresentadas em tribunal, faz-se uma clara distinção entre os factos que servem de fundamento ao divórcio com base na alínea d) e os factos que integram as previsões das alíneas a) a c).
Contudo, existe algum entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a irreversibilidade da ruptura do casamento prevista na alínea d), pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos, nomeadamente, factos integrantes das alíneas a) a c) sem necessidade de decurso do tempo aí previsto, exigindo-se apenas que os factos em causa demonstrem, objectivamente, nomeadamente, pela reiteração e gravidade dos comportamentos em causa, que a comunhão de vida que se exige num casamento, se extinguiu. Será, por exemplo, o caso de um cônjuge que abandone o lar conjugal e, após três meses de separação, inicia um relacionamento afectivo com outra pessoa e propõe uma acção de divórcio, alegando que pretende refazer a sua vida com essa pessoa, demonstrando existir uma ruptura irreversível do casamento, apesar de, à data da propositura da acção, ainda não ter decorrido o prazo de um ano previsto na alínea a).
Com efeito, para quem defende este entendimento, mais do que o decurso do tempo, importa averiguar as concretas circunstâncias dos cônjuges, em termos de comportamentos destes, antes e durante o curso da acção de divórcio, para se concluir pela efectiva irreversibilidade da ruptura da vida em comum.
Pense-se, por exemplo, numa situação em que um dos cônjuges abandona o lar conjugal e não mais contacta com o outro cônjuge e em que, qualquer um dos cônjuges, ainda antes de decorrido o período de um ano após a separação, intenta a acção de divórcio. Pode fazê-lo, com base na alínea d), recorrendo a factos integradores da alínea a), ou seja, violação reiterada do dever conjugal de coabitação (separação de facto) que dura há menos de um ano.
A simples propositura de uma acção de divórcio de um cônjuge contra o outro é, em si, reveladora de uma ruptura do casamento, na medida em que integra uma violação do dever de respeito de um cônjuge para com o outro, pois é desrespeitosa a demonstração pública da falta de vontade de manter o vínculo conjugal com o outro.
Se é certo que não basta propor uma acção de divórcio alegando que já não se quer continuar casado, sem mais, também é verdade que o não querer continuar casado, em si e, apoiado em factos objectivamente demonstrativos de que a vontade de não-manutenção do casamento não resulta de um simples capricho, é já, um fundamento de divórcio em si mesmo, susceptível de integrar a alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil.