Aos 100 anos, Beryl continua a servir cafés num café solidário do Hospital de Ealing

No londrino Friends Café (ou Café dos Amigos, numa tradução livre), são servidos bens alimentares e bebidas a baixos preços. A equipa que aí trabalha é toda voluntária e conta com uma centenária.

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Beryl Carr com a filha Val que a encorajou a se voluntariar no Friends Café DR

É tida como a mais idosa voluntária do Reino Unido e completou 100 anos no início do mês, com direito a homenagem dos hospitais públicos que servem a área Noroeste de Londres (LNWH). É que, apesar da idade, Beryl Carr continua a ir pelo menos uma vez por mês ao Friends Café, no Hospital de Ealing, onde trabalha como voluntária e, garante: “Certamente não [me] sinto [com 100 anos]”.

No início do milénio, Beryl, que nasceu e cresceu no bairro londrino de Ealing, na zona Noroeste da cidade, decidiu, depois da morte do marido, regressar às raízes para estar mais perto da filha. Mas a mudança não foi fácil. “Cresci em Ealing, mas sentia-me sozinha quando regressei”, recordou, citada no site dos LNWH. “Passei de um chalé encantador no campo para um apartamento de um quarto. Senti-me como se vivesse numa caixa.” Foi nessa altura que a filha se lembrou que a mãe podia voluntariar-se no hospital. “Foi a melhor coisa que eu podia ter feito.”

Na época, Beryl já era uma octogenária quando começou a preparar comida e a trabalhar com a caixa registadora do Friends Café. “Fiz algumas sanduíches no meu tempo, mas o que realmente aprecio é o lado social. Não consigo pensar em nada pior do que estar sentada em frente da televisão o dia todo.”

Além disso, observa, “o fantástico de se ser voluntário é que se está a ajudar outras pessoas, mas, de uma forma engraçada, também nos estamos a ajudar a nós próprios.”

Beryl Carr é das poucas pessoas no Reino Unido que se lembra de outro monarca sem ser Isabel II (que cumpre 70 anos de reinado a 6 de Fevereiro). Quando nasceu, em 1922, o trono era ocupado por Jorge V. Nesse mesmo ano, Gandhi foi preso por se opor ao domínio britânico na Índia, o arqueólogo Howard Carter desenterrou o túmulo do rei Tutancámon e os portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral concluíram com êxito a primeira travessia aérea do Atlântico Sul.

A mulher lembra-se do curto reinado de Eduardo VIII, da abdicação e ascensão ao trono do pai de Isabel II, Jorge VI. Mas, sobretudo, dos bombardeamentos durante a Segunda Guerra Mundial.

Sobreviveu ao Blitz, diminutivo de Blitzkrieg (guerra relâmpago), a operação de bombardeamentos alemães contra o Reino Unido, entre 7 de Setembro de 1940 e 10 de Maio de 1941. Mas não escapou sem danos: numa das vezes a sua casa foi bombardeada quando estava a dormir. “Passámos muito tempo no abrigo antibombas no nosso quintal, mas numa das noites em que dormimos lá dentro [de casa] um raide aéreo atingiu-nos. Acabei por ficar debaixo de um armário, coberta de gesso.”

Acabaria também por se unir aos esforços da guerra, cosendo balões barragem (um balão enorme, baseado no desenho de Caquot do balão de observação, utilizado como defesa contra aviões) e a trabalhar como guarda-fogo quando as bombas alemãs caíam sobre a capital. Por isso, quando se voluntariou aos 80 anos para ajudar no café, criado em 1979 com o objectivo de apoiar doentes em ambulatório, oferecendo “uma selecção de alimentos frescos e locais a preços razoáveis, bem como chá, café e outras bebidas”, o sentido de missão não era uma novidade.

Mas, desta vez, declara sem hesitações: “O voluntariado deu-me uma nova oportunidade de vida e é algo que eu recomendaria a qualquer pessoa, independentemente da idade.”

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