Estado deu 3055 milhões de euros em subvenções sem controlo
Auditoria conclui que não se avalia o uso dinheiro, faltam orientações para gerir conflitos de interesse e ainda que há beneficiários em situação irregular.
Segundo a Inspecção-Geral das Finanças, o Estado concedeu 6690 milhões de euros em subvenções em 2019. Boa parte deste montante, no total de 3055 milhões, foi atribuída sem que houvesse um controlo posterior.
Numa auditoria noticiada nesta sexta-feira pelo Jornal Económico, e cujo sumário dos resultados está no site da IGF (PDF aqui), aquela entidade fiscalizadora indica que não se avaliou a utilização da subvenção, faltam orientações para gerir potenciais conflitos de interesse bem como indicadores de desempenho e que falta avaliação e transparência na divulgação dos resultados face aos objectivos estratégicos previstos.
Em 94% dos casos analisados verificou-se a “ausência de avaliação da utilização da subvenção enquanto instrumento de financiamento”. A “inexistência de políticas de gestão de conflito de interesses e de fixação de indicadores-chave de desempenho e apuramento do impacto” foi detectada em 71% e 76% das entidades, respectivamente. E a não divulgação, ou falta de avaliação posterior, de modo a aferir a concretização dos objectivos estratégicos previstos” foi constatada em 88% dos casos em análise.
Conclusão da IGF: estamos perante uma “fraca avaliação da utilidade/impactos para a sociedade das subvenções públicas de origem nacional”.
Tais conclusões, baseadas numa amostra de 17 entidades (concedentes de 3055 milhões de euros) revelam, segundo a IGF, que “persistem aspectos críticos” na gestão de subvenções por parte do Estado, cujo montante global referente àquele ano de 2019 ascendeu a 6690 milhões de euros. A maioria (50,4%) são transferências correntes e de capital de entidades públicas, sendo a segunda maior fatia (34,1%) referente a apoios comunitários.
Tais verbas foram entregues por 618 concedentes a 167 mil beneficiários e equivalem a 6,3% da despesa pública consolidada e a 2,7% do PIB em 2019 (excluindo garantias pessoais, doações, cedências de património, isenções e outros benefícios fiscais, ou seja, situações em que não ocorreu fluxo monetário).
O valor total traduz ainda um aumento de 18% das subvenções face aos 5682 milhões atribuídos em 2018. Este aumento “deveu-se, essencialmente, às transferências correntes e de capital, que atingiram 3371 milhões de euros (mais 155 milhões) e aos fundos europeus (mais 868 milhões).
Mas os problemas começam logo no apuramento do total das subvenções dado que, segundo a IGF, “56 entidades (39 da Região Autónoma dos Açores, 13 da Administração Central e três municípios) não reportaram, no prazo fixado, subvenções, num total de 308 milhões de euros, contrariando a lei”. Houve quem explicasse a falta de reporte com “lapsos/esquecimento” e houve quem se justificasse com “falta de recursos”, sendo que no caso dos Açores, diz a IGF, se alegou “a inexistência de protocolo entre os governos da República e Regional” - o que não é verdade, como constata a entidade fiscalizadora, que invoca o artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 64/2013 para lembrar que havia obrigação de reporte.
Assim, somando valores não declarados, a IGF calcula que o total de subvenções em 2019 foi “pelo menos” de 6998 milhões de euros.
Mas há mais problemas detectados. Foram dados 24,3 milhões de euros por 76 entidades públicas a 372 pessoas colectivas que, em 2019, não tinham a sua situação tributária regularizada, “situação a carecer de confirmação junto das entidades visadas”, diz a IGF. Ter a situação fiscal em ordem é requisito necessário de acesso a subvenções, lembra a IGF. Além disso, “a maioria (589) das entidades concedentes de subvenções, no montante de 6306 milhões de euros, não terão cumprido a obrigação fiscal declarativa (Modelo 42 – Subsídios ou subvenções não reembolsáveis), ainda que sem impacto na cobrança de impostos, situação a confirmar pela Autoridade Tributária, a quem a mesma será reportada”.
“Verificámos que 15 das 35 entidades públicas que atribuíram subvenções de valor superior a 10 milhões de euros não cumpriam, à data das verificações, a obrigação legal de as publicitar, no respectivo sítio na internet, num total de 2001 milhões de euros”, aponta o relatório final. Acresce que “dos 50 maiores beneficiários, 26 (52%), que auferiram subvenções no montante global de 338 milhões de euros, não divulgaram, no seu sítio na Internet, os valores recebidos, contrariando as boas práticas e a transparência recomendada”.
Nem todos os problemas são culpa exclusiva dos concedentes ou beneficiários, admite a IGF, que considera que o regime de publicitação tem “regras complexas e prazos de reporte desajustados”. Por isso, recomenda que seja aperfeiçoado a referida lei 64/2013 e assinados os protocolos com as regiões autónomas nela prevista, e que se aprove a lei-quadro com “os princípios gerais para a atribuição de subvenções e benefícios públicos, reforçando os critérios de objectividade e o cumprimento dos objectivos de consolidação orçamental”.
Na segunda-feira, a IGF publicou também um alerta de que as entidades públicas têm até 31 de Janeiro para fazerem o reporte de subvenções e benefícios públicos de 2021.