PS vs CDS-PP: cumprir calendário com “ideologia do género”
Entre o líder do partido que vai à frente nas intenções de voto e o que vai caindo para os últimos lugares, o que estava em jogo no debate deste domingo não era muito. A saúde levou metade do debate morno, com um Francisco Rodrigues dos Santos a fugir ao “choque fiscal” e a esgrimir a “ideologia do género”.
Se muito se tem discutido sobre o modelo dos debates de 25 minutos e a sua incapacidade de servirem para os portugueses perceberem “as ideias que os partidos têm para o país”, como se um momento de telescola político alongado vezes 36 colmatasse a estrutural falta de comunicação entre as partes. Mas a verdade é que o formato tem dado ocasião para alguns momentos de interessante leitura política. Sobre alianças como a de Rui Rio e André Ventura ou António Costa e Jerónimo de Sousa. Ou sobre confronto ideológico, como com Rui Tavares e Ventura ou Inês de Sousa Real e Cotrim Figueiredo. E outros de puro gozo do confronto de líderes como entre os do BE e do PSD ou do CDS-PP e da IL.
A meio da maratona de debates, o encontro entre António Costa e Francisco Rodrigues dos Santos, não foi nenhum desses momentos. Sim, houve diferenciação ideológica em temas como a saúde e a educação, mas os argumentos soaram estafados e no que ao confronto diz respeito Costa raramente largou a pose zen e Francisco Rodrigues dos Santos até esteve mais calmo que nos anteriores debates.
O líder do CDS-PP até entrou a ganhar, com a ajuda da jornalista, que confrontou António Costa com a promessa não cumprida de dar médico de família a todos os portugueses. Francisco Rodrigues dos Santos reforçou com a responsabilidade socialista na estagnação nos últimos 20 anos, mas regressou ao tema da saúde, onde pouco mais tinha para esgrimir do que a necessidade de aumentar a contratualização com os privados. Numa altura em que centenas de milhares de portugueses contactam com os privados para fazerem os seus testes à covid-19 de graça, talvez não seja a linha de argumentação mais impactante, mas Rodrigues dos Santos insistiu.
E assim se passou metade do debate, com Costa a debitar números e objectivos e o líder do CDS-PP a repetir “privados”, mesmo quando a jornalista tentou interrogá-lo sobre o seu “choque fiscal”, na primeira de várias vezes.
Um raro lampejo de confronto viu-se de seguida quando Francisco Rodrigues dos Santos foi pelo chavão da “ideologia do género”, uma “porta aberta ao totalitarismo” que ele nem encontra paralelo em Cuba ou na Venezuela, numa referência a um caso de Famalicão relacionado com a frequência da disciplina de Cidadania. À ideologia, Costa, seguro, contrapôs a Constituição: “Não vamos confundir crenças com os valores constitucionalmente consagrados”.
Para aí à quarta tentativa a jornalista lá conseguiu que o líder do CDS não evitasse o “choque fiscal”, com Rodrigues dos Santos a reafirmar a vontade da descida no IRC e a criação de um limite sobre os produtos petrolíferos. O líder do PS lembrou que “sempre que a direita falou em choque fiscal, a primeira coisa que fez foi aumentar impostos” e rematou com o aumento no último Governo em que o CDS participou.
Se ainda conseguiu algum fôlego ao lembrar que António Costa é o “primeiro-ministro do Inverno demográfico em Portugal”, a área fiscal devia ser mesmo terreno a evitar pelo líder do CDS, que viu o líder do PS a desmontar a proposta dos centristas para as famílias numerosas, como favorecendo no IRS aos agregados com mais posses.
Inconformado, o político com o pin do Colégio Militar na lapela ainda foi buscar o “falcão” Ronald Reagan para responder à acusação de Costa de ter propostas utópicas: “O socialismo é o sistema que só funciona no céu, onde não é preciso, e no inferno, onde já existe”. Mas o tempo tinha acabado e aqui na Terra ficava mais um debate que não deslustrou, mas também não brilhou. Cumpriu calendário.