Macron admitiu que quer “irritar” os não-vacinados e a oposição francesa caiu-lhe em cima
Parlamento voltou a suspender o debate sobre a obrigatoriedade dos certificados de vacinação em França depois de o Presidente ter utilizado uma linguagem entendida pelos opositores como “indigna” e “agressiva”.
Emmerder. É esta a palavra do momento em França, catalisadora de violentas críticas dos opositores de Emmanuel Macron e motivo para nova suspensão dos trabalhos na Assembleia Nacional. Traduzida para algo como “irritar”, “chatear” ou mesmo “lixar”, foi utilizada pelo Presidente para descrever a estratégia do Governo para lidar com os cerca de cinco milhões de franceses que ainda não se vacinaram contra a covid-19.
“Não sou a favor de irritar [emmerder] os franceses. Estou sempre a queixar-me quando o Governo o faz. Mas, em relação aos não-vacinados, sim, tenho muita vontade de os irritar [emmerder]. E vamos continuar a fazê-lo, até ao fim. É essa a estratégia”, afirmou Macron numa entrevista com o Le Parisien, publicada na terça-feira ao final do dia.
“Não os vou meter na prisão, e não os vou vacinar à força. Mas tenho de lhes dizer: a partir de 15 de Janeiro já não vão poder ir a um restaurante, não vão poder ir beber um copo nem ir ao teatro, não vão poder ir ao cinema”, insistiu o chefe de Estado.
A estratégia de Macron pode, no entanto, sair-lhe furada, pelo menos em termos de timing. Indignados com a linguagem “indigna” e “agressiva” do Presidente, os partidos da oposição decidiram suspender, na terça-feira, e pela segunda noite consecutiva, o debate sobre a proposta de lei do Governo para tornar o certificado de vacinação obrigatório no acesso a restaurantes, cafés, eventos culturais ou viagens intercidades em transportes públicos.
“Não há emergência sanitária que justifique tais palavras. Macron diz que aprendeu a amar os franceses, mas parece que gosta especialmente de os desprezar”, criticou o líder dos Republicanos no Senado, Bruno Retailleau.
“Podemos encorajar a vacinação sem insultarmos ninguém ou empurrarmos [as pessoas] para a radicalização”, defendeu o senador conservador, citado pela France 24.
França tem, neste momento, 73,6% da população totalmente vacinada. Mas, tal como noutros países europeus, a propagação acelerada da variante Ómicron do vírus SARS-CoV-2 pelo território francês está a contribuir para novos recordes diários de infectados – 271.686 casos na terça-feira –, e a colocar enorme pressão sobre o sistema de saúde.
Aprovada no ano passado, a legislação em vigor em França exige apenas a apresentação de prova de vacinação ou de um teste PCR para quem quiser aceder aos locais e aos eventos em causa. O Governo liderado por Jean Castex pretende, no entanto, criar uma espécie de “passaporte”, apenas acessível aos cidadãos que tiverem a vacinação completa.
Entre os críticos das palavras de Emmanuel Macron, contam-se, naturalmente, os principais candidatos às eleições presidenciais francesas, agendadas para Abril.
Marine Le Pen, da União Nacional, escreveu no Twitter que “um Presidente não poder dizer” o que Macron disse e que o chefe de Estado é “indigno para o cargo que ocupa”. Já Éric Zemmour, outro candidato da extrema-direita, garantiu que “não vai irritar os franceses” e, particularmente, “a categoria de franceses” que Macron “diz abertamente que quer irritar”.
Valérie Pécresse, concorrente ao Palácio do Eliseu pelos Republicanos, acusou o Presidente de “dividir quando o país nunca esteve tão fracturado”; Anne Hidalgo, do Partido Socialista, apelou à “união de França”; e Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, além de contestar a medida legislativa em causa, lamentou a “confissão assombrosa” de Macron.
“É óbvio que o passaporte de vacinação é um castigo colectivo contra a liberdade individual”, disse o candidato da esquerda radical. “Enquanto a OMS defende [a estratégia de] ‘convencer, mais do que obrigar’”, o Presidente francês quer “irritar antes de tudo”. “Desolador”, atirou Mélenchon, citado pelo El País.
Para além da oposição política, a proposta de lei do certificado de vacinação merece fortes críticas dos grupos anti-vacinas franceses que, segundo Castex, têm feito ameaças físicas e verbais aos deputados, particularmente aos do República em Marcha, em maioria na câmara baixa da Assembleia Nacional.
O deputado Pascal Bois, do partido de Macron, viu a sua garagem incendiada na semana passada e outros parlamentares têm publicado nas redes sociais ameaças de morte que vão recebendo.
“Qualquer tipo de violência é inaceitável numa sociedade democrática”, sublinha o primeiro-ministro. “Tratando-se de depositários da autoridade pública, depositários do sufrágio universal, o recurso à violência ameaça a democracia e ao pacto republicano”.