João Pedro Serôdio e o i3S: “O edifício não é apenas uma máquina”
O podcast No País dos Arquitectos é um dos parceiros da Rede PÚBLICO.
No 23.º episódio do podcast No País dos Arquitectos, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitectura Building Pictures, conversa com o arquitecto João Pedro Serôdio. Numa viagem pelo mundo da investigação, ficámos a conhecer o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) e a forma como a arquitectura contribui para a eficiência das descobertas científicas, respondendo não só aos requisitos de segurança que a natureza deste edifício exige, mas também às necessidades dos investigadores e dos seus crescentes desafios.
Resultando da união de três instituições – o Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC), o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP) e o Instituto Nacional de Engenharia Biomédica (INEB) – o i3S nasceu com a missão de dar resposta a problemas de saúde importantes e assume-se, actualmente, como o maior instituto de investigação em saúde de Portugal, agregando mais de mil colaboradores, o que implicou da arquitectura uma resposta pragmática e funcional para que cientistas possam encontrar respostas para as áreas do cancro, da neurobiologia e doenças neurológicas.
Ao serviço da ciência, o edifício assume um carácter e uma escala adequada à sua função, favorecendo o espírito colaborativo e a abordagem multidisciplinar, entre os vários cientistas: “Penso que o edifício é um instrumento e, portanto, cumpre também uma função no sentido de... Não sei se ‘facilitar’ é a palavra correcta... Mas no sentido de contribuir para a eficiência e para o tempo em que ocorrem essas investigações e do modo como correm essas investigações”, afirma o arquitecto.
Através desta síntese, compreende-se que o i3S não é um edifício onde as diferentes instituições se fecham. Muito pelo contrário, é um lugar onde a partilha e a convergência andam de mãos dadas com a inovação e os desafios da descoberta. E isto sucede não só pela investigação, que promove a colaboração entre os diversos institutos, mas também pelo próprio projecto de arquitectura. Ao recuar no tempo, o arquitecto João Pedro Serôdio distingue duas fases diferentes no desenvolvimento do projecto.
Num primeiro momento, houve a fase do concurso, onde os arquitectos trabalharam apenas com “a ideia base da arquitectura” e, na segunda etapa, “o edifício foi redesenhado”, tendo em conta “o input detalhado dos investigadores”. Pelo meio, existiram vários desafios que tiveram de ser respondidos como o da hierarquia e da articulação entre os diferentes espaços e circuitos, o cumprimento rigoroso de áreas e as suas necessidades de luminosidade, bem como as condições técnicas dos laboratórios.
Num dado momento da entrevista, João Pedro Serôdio conduz-nos por uma visita guiada pelo i3S e, nesse instante, revela que o elemento-chave do programa a concurso foi o laboratório. Os dois pisos de laboratórios acabaram por determinar a forma e imagem do edifício: “Os laboratórios tinham uma área especificada e uma forma mais ou menos definida. O programa do concurso referia que essas salas tinham de ter luz do lado maior, portanto, para nós, era importante que o edifício tivesse a volumetria daquela zona da Asprela.”
Cinzento e monolítico, o edifício dá a sensação que se esconde, invocando também o carácter ultra-secreto dos projectos de investigação. E, se por um lado, existem superfícies assépticas nos laboratórios que criam uma unidade ordenadora, por outro lado, existe luz em diferentes circuitos e o edifício é perfurado por pátios que iluminam cada um dos laboratórios, no seu lado maior. Segundo o arquitecto, esta hierarquia do espaço “não foi tanto para esconder ou para não deixar ver os laboratórios”, mas sim para garantir que “o número de laboratórios coubesse naquela volumetria”, propiciando “o ambiente calmo”, essencial ao trabalho introspectivo dos investigadores.
Embora se apresente como um edifício austero e exista um “esforço de racionalidade nessa austeridade”, na verdade o i3S estabelece um constante diálogo com a sua missão e o seu lugar: “O que nos interessava não era ver edifícios de arquitectura que nos apelassem e que estivessem neste ramo, mas perceber que edifícios desempenhavam estas mesmas funções e compreender como é que eles funcionavam”, esclarece.
Tendo em conta que o instituto iria acolher diversos projectos de pesquisa laboratorial, a arquitectura foi sendo ajustada “àquilo que os investigadores pretendiam”. Os gabinetes e os laboratórios foram distribuídos por secções modulares e nos espaços comuns, bem como nas zonas de circulação prevaleceu a monocromia de tons cinza, derivada do betão à vista, “realizado in situ” e bloco de betão: “Utilizou-se, sobretudo, um bloco de betão perfurado, que faz uma grande absorção acústica. Ao distribuirmos estas zonas de absorção, seguimos uma estratégia que, por vezes, está associada à presença e introdução de luz natural e outras vezes faz o oposto”, esclarece o arquitecto.
Os espaços colectivos estão identificados pelos blocos que modelam e texturam a luz, o átrio foi desenhado com vista a transmitir um “ar de vazio” e, a partir do espaço de recepção, tem-se acesso à biblioteca, aos dois auditórios, à cafetaria e ligação directa ao edifício anexo, o IPATIMUP: “O edifício não é apenas uma máquina. Tem esse lado muito objectivo, mas depois articula, por exemplo, com os espaços em que as pessoas se encontram e os espaços que existem para receber outras pessoas que vêm de fora. Isso também faz parte das funções que o edifício tem de realizar e para realizar bem recorre a outros aspectos que não são tão técnicos como, por exemplo, a vista, a forma como os espaços se encaixam uns nos outros ou a própria luz. Portanto, o edifício é um conjunto destes inputs todos. É uma síntese – para usar uma expressão muito querida da Escola do Porto – destas questões todas”, sublinha o arquitecto João Pedro Serôdio.
Resultado de um processo intensamente participativo, o edifício só foi possível graças a uma “articulação profunda” entre os diferentes intervenientes. O projecto contou com a participação do gabinete Serôdio Furtado & Associados: arquitectos (onde João Pedro Serôdio realiza todos os projectos em co-autoria com Isabel Furtado), elementos da equipa do i3S, como Cláudio Sunkel e Pedro Resende, e engenheiros como Rui Furtado e Elisa Parente. Em dado momento da conversa, o arquitecto confidencia que “por vezes, é difícil descobrir quem é que influenciou mais durante este processo”, pois há aqui “uma interacção entre os vários interessados – especialistas, pessoas que vão utilizar o edifício e a arquitectura em si – de modo a conseguir obter um resultado”.
Como arquitecto, João Pedro Serôdio acredita que “os edifícios são, sobretudo, respostas a necessidades” e o seu papel é dar “expressão arquitectónica” a um conjunto de ideias. No Instituto de Investigação e Inovação em Saúde houve não só a racionalidade de simplificar essas ideias, mas também a necessidade de “contribuir com ordem”. Actualmente as três instituições – IBMC, IPATIMUP e INEB – gerem projectos, partilham equipamentos e cooperam para, em conjunto, antecipar o futuro, permitindo, ao mesmo tempo, que esse mesmo futuro aconteça naquele espaço. Para conhecerem mais sobre este projecto do arquitecto João Pedro Serôdio e este “trabalho de grande simplificação”, que procurou dar uma resposta prática e funcional às questões que o programa colocava, ouçam a entrevista na íntegra.
No País dos Arquitectos é um dos podcasts da Rede PÚBLICO. Produzido pela Building Pictures, criada com a missão de aproximar as pessoas da arquitectura, é um território onde as conversas de arquitectura são uma oportunidade para conhecer os arquitectos, os projectos e as histórias por detrás da arquitectura portuguesa de referência.
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