Defesa de Ghislaine Maxwell arranca a atacar as memórias das testemunhas de acusação

“As memórias falsas... podem ser muito vívidas e detalhadas”, observou uma reconhecida psicóloga cognitiva chamada pela defesa de Ghislaine Maxwell para desacreditar os testemunhos das quatro mulheres que acusam a socialite de abusos sexuais.

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A defesa de Ghislaine Maxwell começou a apresentar o seu caso na quinta-feira Reuters/JANE ROSENBERG

Elizabeth F. Loftus tem 77 anos e é professora de psicologia na Universidade da Califórnia, com trabalhos publicados sobre a maleabilidade da memória. Conhecida especificamente pelos estudos realizados sobre o efeito da desinformação e a memória de testemunhas oculares, bem como a criação de falsas memórias, é uma presença muito requisitada em processos criminais — está entre os 100 investigadores mais influentes na área de psicologia no século XX —, tendo o seu testemunho sido ouvido no julgamento que resultou na absolvição de O.J. Simpson, acusado de duplo homicídio (da ex-mulher e de um amigo desta) em 1994. Por isso, não é de estranhar que a defesa de Ghislaine Maxwell a tenha chamado, logo no primeiro dia em que começou a apresentar o seu caso, abrindo assim a porta ao instalar da dúvida sobre os testemunhos das quatro mulheres chamadas pela acusação.

A psicóloga, que declarou estar a receber 600 dólares (530 euros) por hora, testemunhou que as pessoas podem recordar com confiança acontecimentos que nunca aconteceram e relatou ao júri experiências em que a sua equipa de investigadores tinha criado memórias falsas nas mentes dos participantes de um estudo. “Mesmo experiências traumáticas podem ser sujeitas a sugestões pós-evento”, constatou Elizabeth Loftus. “As memórias falsas... podem ser muito vívidas e detalhadas. As pessoas podem ter confiança nelas, as pessoas podem ser emocionais sobre elas, mesmo que sejam falsas.”

Contra-interrogada pela procuradora Lara Pomerantz, que perguntou se a psicóloga alguma vez “realizou um estudo em que conseguiu que raparigas fossem abusadas sexualmente”, Loftus foi peremptória: “Não, claro que não”, acrescentando que também nunca tinha conduzido um estudo em que tentasse implantar uma falsa memória de abuso sexual, o que permitiu a Pomerantz concluir que o testemunho de Loftus era irrelevante para o caso.

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Elizabeth F. Loftus, psicóloga cognitiva Reuters/DIEU-NALIO CHERY

Já a defesa insistiu que as quatro mulheres não falaram sobre Ghislaine Maxwell quando interrogadas pelas autoridades pela primeira vez e que o testemunho de Loftus poderia cimentar a teoria de que as memórias sobre o envolvimento da ex-namorada do magnata foram moldadas por notícias ou por perguntas que os agentes do FBI lhes fizeram, reanimando o argumento de o Ministério Público estar a usar Ghislaine Maxwell como bode expiatório da conduta do falecido financeiro Epstein, que não foi possível condenar. Epstein suicidou-se em 2019 numa cela da prisão de Manhattan, enquanto aguardava julgamento por abusos sexuais e tráfico de menores.

Antes, os jurados ouviram o testemunho de Cimberly Espinosa, que trabalhou como assistente de Maxwell, entre 1996 e 2002, que declarou que nunca tinha visto a mulher ou Epstein a terem um comportamento inadequado com raparigas menores de idade. Ghislaine Maxwell era, na época, contratada por Epstein para gerir as suas numerosas propriedades pessoais.

Inicialmente, disse a testemunha, os dois eram um casal, mas a relação romântica mais tarde esmoreceu. Cimberly Espinosa afirmou ainda que Maxwell era uma patroa exigente, declarando a sua admiração pela socialite.Eu respeitava muito a Ghislaine. Admirei-a muito.”

Ghislaine Maxwell, de 59 anos, declarou-se inocente de oito acusações de tráfico sexual e outros crimes. Mas a apresentação do caso pelos procuradores não a poupou, ao terem conseguido desviar o foco de Epstein e colocá-lo sobre a ex-namorada do financeiro. Ao longo de duas semanas, entre outras testemunhas, foram ouvidas quatro mulheres que acusam a arguida de as ter recrutado e preparado para os encontros sexuais com Jeffrey Epstein quando eram ainda menores: duas já tinham idade (16 e 17 anos) de consentimento nos locais onde ocorreram os encontros (Londres, Reino Unido; e Novo México, EUA) e, deliberou a juíza a favor da defesa, apenas serviram para expor um padrão de comportamento; as outras duas tinham 14 anos.

As quatro mulheres — três sob pseudónimo (Carolyn, Jane e Kate) e uma que informou a sua verdadeira identidade (Annie Farmer) — retrataram Ghislaine Maxwell como uma figura central nos encontros de natureza sexual que tiveram com o magnata norte-americano.

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