Colóquio assinala centenário do conflito entre os “novos” e os “botas-de-elástico”

Há cem anos, os artistas modernistas fartaram-se do conservadorismo que dominava a Sociedade Nacional de Belas-Artes e provocaram um aceso debate público, que culminou a 18 de Dezembro de 1921 num concorrido comício no Chiado, em Lisboa.

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Imagem da Ilustração Portuguesa mostrando o público do comício a ouvir o discurso de Raul Leal

O colóquio NOVOS vs. SNBA, que decorre esta sexta-feira em Lisboa, quer relembrar o conflito que em 1921 opôs os artistas de vanguarda aos seus pares mais conservadores que então dominavam a Sociedade Nacional de Belas-Artes. Uma controvérsia a que os jornais da época chamaram “a questão dos novos” e que culminou no dia 18 de Dezembro de 1921 com um grande comício no Chiado, onde discursaram Almada Negreiros e António Ferro, que já tinham apanhado com as indignadas reacções ao lançamento da revista Orpheu, em 1915, e ainda Raul Leal, que em 1923 se envolveria, com a publicação de Sodoma Divinizada, na polémica conhecida como Literatura de Sodoma.

Co-organizado pelo Centro de Estudos e de Investigação em Belas-Artes da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa (CIEBA) e pela Sociedade Nacional de Belas-Artes, com a colaboração do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, o colóquio decorre de manhã na Faculdade de Belas Artes e muda-se à tarde para a SNBA.

O conflito teve como pretexto imediato o facto de a SNBA – então presidida pelo escultor naturalista Francisco dos Santos, autor do busto feminino oficial da República Portuguesa e do monumento ao Marquês de Pombal, na praça lisboeta homónima –, ter vetado a participação do pintor modernista Eduardo Viana na exposição anual da instituição, uma montra essencial para a promoção do trabalho dos artistas. Em reacção, alguns modernistas, liderados por Leitão de Barros e José Pacheko, que fora o autor da capa do primeiro número de Orpheu, tentaram tomar legalmente de assalto a SNBA, propondo a entrada simultânea de 180 novos sócios, mas a tentativa foi rechaçada pela maioria mais conservadora que controlava a sociedade.

A polémica agravou-se e, em Dezembro de 1921, os “novos” promoveram em Lisboa, no Cinema Chiado Terrasse, um comício contra os botas-de-elástico, como lhes chamavam. Almada Negreiros, António Ferro e Raul Leal foram alguns dos inflamados oradores de serviço. Com a sala completamente lotada, este “Comício dos Novos” marcou um momento de ruptura na arte portuguesa, iniciando um movimento de afirmação da corrente modernista, cujas obras, pelos meados da década, já decoravam lugares icónicos da capital, como o café A Brasileira do Chiado ou o Bristol Club, e mostrava-se em exposições promovidas em diversos espaços alternativos.

“A Questão dos Novos"

Esta sexta-feira de manhã, na Faculdade de Belas-Artes, Cristina Azevedo Tavares explicará a vida e orgânica da SNBA e como se chegou à polémica, Mariana Pinto dos Santos abordará o papel desempenhado por Almada Negreiros no “Comício dos Novos"e a polémica que manteve com Leal da Câmara, e Paula Ribeiro Lobo falará da participação de António Ferro.

A terminar a manhã de trabalhos, Fernando Rosa Dias tratará da presença dos intelectuais e artistas do Algarve no comício e noutros palcos da polémica.

Já durante a tarde, na SNBA, João Paulo Queiroz falará de como o processo levou mais tarde à renovação da instituição, Joana da Cunha Leal e Begoña Farré Torras tratarão de um outro importante evento de 1921, a Exposição de Arte Catalã, João Macdonald evocará um manifesto esquecido do jornalista Augusto d'Esaguy, e Raquel Henriques da Silva e Inês Silvestre centrar-se-ão no tema dos painéis da Brasileira do Chiado.

Segundo a organização do colóquio, este dará depois origem a um livro, juntando todas as comunicações e também um vasto material da época, incluindo recortes de jornais, fotografias e obras de arte produzidos durante a “Questão dos Novos”.