Museu Cesária Évora é prioridade mas dez anos depois continua só no papel

“É preciso que haja esta vontade também dos herdeiros.” Cantora cabo-verdiana morreu em Dezembro de 2011. Espólio está agora espalhado por três espaços.

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O futuro Museu Cesária Évora é uma prioridade para a Rede Nacional dos Museus de Cabo Verde, mas depende do entendimento com os herdeiros, já que o intuito é reunir na casa da antiga cantora (1941-2011) todo o espólio.

“Tratando-se de um museu biográfico, em que o acervo é particularmente relacionado com a vivência da personalidade, o processo torna-se complicado porque não é uma intervenção que o Ministério [da Cultura] nem o IPC [Instituto do Património Cultural] possam fazer. É preciso que haja esta vontade também dos herdeiros”, disse à Lusa a directora da Rede Nacional dos Museus de Cabo Verde, Samira Baessa.

Cesária Évora nasceu no Mindelo, em 27 de Agosto de 1941, cidade onde também morreu, em 17 de Dezembro de 2011, sendo considerada, com as suas mornas, a cantora de Cabo Verde com maior reconhecimento internacional.

A Associação Cesária Évora assegurou em Novembro passado que o espólio da artista está preservado, à espera da concretização do Museu Cesária Évora, na sua casa no Mindelo, prometido desde o falecimento da “diva dos pés descalços”, há dez anos.

“O maior desejo da associação é ter um lugar digno em São Vicente, onde que todos os que vierem a Cabo Verde procurar por vestígios de Cesária os encontrem em boas condições, num verdadeiro museu. A ideia da associação, que já apresentámos ao Governo e que continuamos com a esperança de um dia ter acesso a algum financiamento, mesmo que internacional, é de que a casa não será só a casa da Cesária”, explicou o produtor José (Djô) da Silva, presidente da associação e seu antigo manager.

Aquela associação, a família da cantora e várias entidades locais estão a promover no Mindelo, até 19 de Dezembro, o programa de homenagem à “diva dos pés descalços”, para assinalar os 80 anos do seu nascimento e os dez anos da sua morte.

Segundo Samira Baessa, há uma negociação entre o Ministério da Cultura e a família no sentido de ampliar o conteúdo exposto actualmente no Núcleo Museológico Cesária Évora, situado na cidade do Mindelo e que foi criado para servir como primeiro espaço do museu. No entanto, dez anos após a morte de Cesária Évora, e seis anos após a fundação do núcleo, o museu continua sem data para ser uma realidade.

Para já, a instituição prevê investir em “melhorias” na estrutura do Núcleo Museológico Cesária Évora e no espólio.

“Queremos colocar suportes mais atractivos, porque estamos agora a implementar os novos projectos museográficos, e esta seria a ideia. Mas tendo em mente a possibilidade de termos um projecto num outro espaço mais amplo, inclusive com um espólio mais alargado, a recolher junto da família. Pensamos neste momento fazer esta intervenção de melhorias no edifício, para que continue a acolher os visitantes, aguardando esta negociação com os intervenientes para chegarmos a um projecto que espelhe a importância de Cesária Évora e do espólio”, apontou Samira Baessa.

O interesse para instalar o museu na casa de Cesária Évora, onde a cantora viveu no Mindelo, entre o tempo dos concertos que realizava por todo o mundo, mantém-se, disse ainda.

Neste momento, recorda que o conteúdo relacionado com a cantora está espalhado por três espaços em particular: no Núcleo Museológico, na exposição no Palácio do Povo, de Francisco Rocha, que tem mais de 20 anos de recolha de fotografias, certificados internacionais e outros objectos pessoais como os vestidos da cantora, bem como na casa onde viveu a artista.

“Não havendo uma boa articulação entre estes intervenientes que possuem o mesmo objectivo, quem demanda à cidade, os visitantes, os turistas acabam por ter uma dispersão em relação aos espaços”, lamentou Samira Baessa, reconhecendo que o número de visitantes do actual núcleo museológico não é o desejável.

Ainda assim, acredita que há uma grande afluência à própria casa, embora o espaço interior não esteja aberto a visitas, pelo que reunir todo o espólio num único local seria uma mais-valia.

“Fazendo um projecto organizado que crie um roteiro, mas que destaque o espaço como sendo o espaço que acolhe o espólio da artista, um lugar que esteja mais bem preparado para que as pessoas conheçam melhor Cesária. Acredito que de facto possa ser um espaço auto-sustentável e criar um mecanismo para trabalhar toda a vocação do museu na perspectiva da educação, turismo, empoderamento feminino, toda a motivação que a figura da Cesária Évora possa representar para a cidade, para o país, e internacionalmente, inclusive para a morna, que é Património da Humanidade”, sublinhou a responsável.

E recordou que o núcleo foi “criado sempre com a ideia” de vir a transformar-se, “a curto ou médio prazo”, num projecto mais amplo. “Só que tratando-se de um projecto em que há herdeiros, a família, há diálogo, tem que se esperar e conseguir o retorno e isso leva o seu tempo e por isso se calhar alguma demora na decisão”, apontou Samira Baessa, embora acreditando que haverá consenso.

O actual Núcleo Museológico foi criado em Maio de 2015, precisamente no edifício construído dez anos antes para então ser a residência da artista Cesária Évora.

“O edifício conhecido como a Casa do Artista foi oferecido à Cesária Évora no dia 17 de Janeiro de 1995, pronta a habitar. A cantora recebeu as chaves das mãos do presidente do Instituto Nacional da Cultura, Mário Fonseca, e do presidente da Câmara Municipal de São Vicente, Onésimo Silveira”, recorda o historial do espaço, colocado na parede, logo à entrada.

O técnico do IPC e actual responsável pelo núcleo, Júlio Martins, explicou à Lusa que Cesária Évora “nunca chegou a morar na casa e que quem lá viveu foi a filha”.

“Na altura era para ser oferecida à Cesária para ser a sua casa enquanto estivesse viva. No entanto, quando terminaram o projecto Cesária já tinha a sua casa própria e não chegou a viver lá, mas sim a filha e a neta”, frisou.

O trabalho naquele núcleo tem sido virado para o turismo, mas também na pedagogia, explicou.

No espaço encontram-se objectos profissionais e pessoais da cantora, desde vestuário a objectos de uso doméstico como colheres, xícaras que usava no dia-a-dia, fotografias, e até um dos últimos cigarros que a artista fumou, além de cópias das músicas que interpretou ao longo da carreira.