Entre O Sexo e a Cidade e a nova série And Just Like That... passaram 20 anos de celebração e críticas
Carrie, Miranda, Samantha e Charlotte despediram-se no ano em que nascia o Facebook. Regressam — sem Samantha — para um mundo com Tinder, já com 50 anos e com amigas de várias etnias. Episódio duplo da nova série And Just Like That... estreia-se esta quinta-feira na HBO Portugal.
Houve um tempo em que O Sexo e a Cidade era um raro retrato da amizade feminina citadina, uma invulgar série protagonizada por mulheres na casa dos 30 e 40 anos, uma pedrada no charco da conversa sexual nos mass media. Foi um tempo facilmente datável: o período entre 1998 e 2004, ano de estreia e ano em que a sexta temporada da série protagonizada por Sarah Jessica Parker se despediu da HBO. Depois, dois filmes não fizeram muito pela reputação de O Sexo e a Cidade, uma série influente e simultaneamente uma das mais desvalorizadas ou revisitadas pela crítica para recordar quão branca, magra e irrealista era. Quase 20 anos depois, And Just Like That... é a nova série que devolve as amigas (menos uma) à cidade e lhes acrescenta uma dose de 2021 — a estreia vem rodeada de um certo secretismo à medida de uma série que acabou no ano em que nascia o Facebook.
And Just Like That... estreia-se esta quinta-feira na HBO Portugal com Sarah Jessica Parker, Cynthia Nixon e Kristin Davis como protagonistas e produtoras executivas. E com a notória ausência de Kim Catrall, a actriz que punha o sexo em O Sexo e a Cidade e cujo desinteresse em voltar à personagem de Samantha se aliou à querela pública com Parker para a manter a leste deste reboot do franchise criado por Darren Star e Michael Patrick King com base nas crónicas de Candace Bushnell. Elas — Carrie, Miranda e Charlotte — agora estão na casa dos 50 anos e a sua amizade é povoada por mais do que cocktails Cosmopolitan e sapatos de marca nas ruas de Nova Iorque.
O elenco inclui agora as actrizes Sara Ramírez, Sarita Choudhury, Nicole Ari Parker e Karen Pittman, diferentes tons de pele e contextos de sexualidade, novas amigas na cidade e uma espécie de resposta a uma das críticas mais comuns à série: a sua brancura numa cidade profunda e visivelmente multicultural. Para lhes dar igual espaço, e descentrar a série do habitual monólogo de Carrie, os episódios passaram de meia hora para cerca de 45 minutos de duração.
Em 1998, O Sexo e a Cidade ajudou a criar a marca HBO. Agora, é para dar uma força ao seu serviço de streaming (é uma série HBO Max, chancela que em 2022 substituirá a HBO Portugal no mercado nacional) com a ajuda da nostalgia que regressa, mostrando apenas os quatro primeiros episódios horas antes da estreia a alguma imprensa internacional e guardando cuidadosamente a conversa sobre And Just Like That... para depois de serem vistos os dois primeiros episódios nesta quinta-feira; a partir daqui, estreia-se um novo episódio por semana.
Mulheres de 50 anos
A sua revolução, desta vez, é a da idade — para começar. É essa a bandeira que o autor, Michael Patrick King, agita ao New York Times numa das raras entrevistas publicadas antes da estreia. “Acho que ninguém pegaria em novas personagens de mulheres de 55 anos sem a prova de que as pessoas iam ver”, diz o autor sobre uma das motivações de regressar ao filão Sexo e a Cidade.
A pandemia fez o resto, que foi pôr Parker e King à conversa sobre fazer um podcast sobre os bastidores da série original; acharam melhor regressar à televisão.
Nos quase 20 anos passados sobre o fim da série em que um vibrador coelhinho, um buraco na estrada como antevisão de sexo anal ou o fim de uma relação através de um post-it foram pequenas grandes histórias, o espaço mediático das séries americanas foi ocupado por outras mulheres, mais jovens (Girls ou a prequela de O Sexo e a Cidade The Carrie Diaries) ou já mais velhas (Cougartown, On the Verge). And Just Like That... chega com a força da marca deixada pelas mulheres solteiras, libertadas e sexualizadas de há 20 anos ao mundo do Tinder, do envelhecimento e da fluidez de género. É também um mundo que reclamou do amigo gay como acessório ou das pessoas trans como prostitutas nos argumentos, do apartamento e guarda-roupa impossíveis de Carrie Bradshaw, do final em que tudo se resumiu a um homem.
“Mas até a esse tropeção do último minuto foi televisão acutilante e iconoclasta”, lembrava em 2013 a crítica da revista New Yorker Emily Nussbaum, numa defesa de como O Sexo e a Cidade é injustiçada perante vizinhas de estação como Os Sopranos na sua valorização. Há algo de sexista nisso, quando se elogiam os “homens difíceis” de Tony Soprano ou Mad Men e se esquece a evolução das personagens de O Sexo e a Cidade, argumentava Nussbaum. “Altamente feminina em vez de masculina de forma fetichista, brilhante em vez de arenosa”, argumenta, foi uma série “radical” que criou, sem reconhecimento, “a primeira anti-heroína da televisão: senhoras e senhores, Carrie Bradshaw”.