Eurodeputado comunista vai de comboio para Estrasburgo para denunciar liberalização da ferrovia

PCP diz que a “liberalização e desregulamentação dos serviços foram terríveis para as redes ferroviárias”. Três dias de viagem, seis comboios e 398 euros para participar na sessão plenária do Parlamento Europeu.

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Daniel Rocha

O eurodeputado do PCP, João Pimenta Lopes, vai partir no sábado da estação de Santa Apolónia para uma viagem sobre carris até Estrasbugo que vai demorar três dias. Objectivo: chamar a atenção para a falta de ligações entre Portugal e Espanha e denunciar as consequências “terríveis” das orientações da União Europeia para o sector provocadas por quatro pacotes ferroviários que visam a liberalização e desregulamentação e que se traduziram no encerramento de 6000 quilómetros de linhas férreas.

“O mercado está centralizado em algumas empresas dominantes e a prevalência do transporte ferroviário no transporte global de passageiros e de mercadorias diminuiu”, disse o eurodeputado ao PÚBLICO.

As dificuldades que encontrou para comprar o bilhete mostram, precisamente, os resultados dessa desregulamentação. “No primeiro contacto com a agência de viagens do Parlamento, notei a estupefacção e surpresa da senhora face ao meu pedido. Ela até disse que isto era um retrocesso de 30 anos pois tinha feito uma viagem de comboio da Bélgica para Lisboa nos anos 90 e nessa altura foi bem mais fácil”.

Construído o percurso, João Pimenta Lopes vai viajar no primeiro dia entre Lisboa e Badajoz (dois comboios), no segundo dia de Badajoz para Madrid e Barcelona (dois comboios) e no terceiro fará Barcelona – Paris – Estrasburgo, também em dois comboios. A parte mais lenta será entre Lisboa e Madrid e só depois acelerará visto que as últimas três etapas serão feitas em comboios de alta velocidade.

O bilhete custou 398 euros, bastante mais do que uma viagem de avião. “Agora não sei como estão os preços, mas antes da pandemia cheguei a voar de Lisboa para Estrasburgo, de ida e volta, por 250 euros”, disse o eurodeputado.

A viagem insere-se numa iniciativa mais vasta do PCP, a propósito do Ano Europeu do Transporte Ferroviário, na qual o partido reivindica “uma ferrovia que assegure o direito às populações à mobilidade, garantindo a ligação em rede de todas as suas principais cidades, mas também aos seus portos, aeroportos e centros logísticos, respondendo às necessidades de desenvolvimento do país e potenciando melhorias ambientais e uma efectiva coesão económica, social e territorial”.

João Pimenta Lopes, diz que desde 1988 Portugal foram desactivados 1200 quilómetros de linhas e perderam-se 20 mil postos de trabalho devido à capacidade produtiva encerrada no sector ferroviário e ao desmembramento da CP. Por isso, entende que está na hora de reverter essa política e defende o fim da separação entre roda e o carril.

“O Comité Económico e Social deu nota que os processos de liberalização por via dos sucessivos pacotes, não só não obrigavam à separação, como países como a Alemanha e a França não foram por aí e souberam defender os interesses do seu caminho-de-ferro”, disse.

O eurodeputado defende ainda que o transporte ferroviário de mercadorias regresse à esfera da CP, quer seja através da reversão da privatização da CP Carga (hoje designada Medway depois de comprada pela MSC), ou permitindo que a empresa pública também possa dedicar-se a esse mercado.

O PCP calcula que nos próximos 15 anos a CP tem de renovar toda a sua frota, um investimento estimado em 3,75 mil milhões de euros e que João Pimenta Lopes entende que dever ser feito de forma faseada (250 milhões por ano) e com uma forte incorporação nacional, não só na produção como na manutenção e reparação de comboios.

Já sobre a falta de ligações directas com Espanha, recordou as declarações do ex-presidente da CP, Nuno Freitas, na comissão parlamentar, quando explicou que os serviços internacionais não estão contemplados no Contrato de Serviço Público entre a empresa e o Estado, para criticar a falta de ambição e de prioridade do governo português para resolver este assunto.

“A nova linha entre Évora e o Caia poderá criar uma ligação a Madrid bastante mais rápida, mas até lá era necessário que fossem repostas as ligações suprimidas”, defende. Já sobre a alta velocidade, João Pimenta Lopes diz que “o PCP nunca foi contra a alta velocidade”, mas lembra que a ligação de alta velocidade a Madrid ficou comprometida “por um projecto megalómano através de uma Parceria Público-Privado como o do engenheiro Sócrates, com elevados custos, com comboios a 350 km/h entre Lisboa e Madrid, e depois pelo PSD e CDS que anunciaram que o transporte de passageiros não era uma prioridade, num processo que resultou em milhões em indemnizações”.

À chegada a Estrasburgo, João Pimenta Lopes dará uma conferência de imprensa sobre a sua viagem, a qual, nota, “tem suscitado alguma curiosidade” mesmo ainda antes de ter sido oficialmente divulgada. Em 16 de Dezembro, numa estação portuguesa, o PCP realizará uma “tribuna pública” para discutir e propor soluções para a ferrovia.

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