Lagoa dos Salgados passa a Reserva Natural, o que põe em causa as 4000 camas para ali previstas
Ministro do Ambiente diz que não há direitos adquiridos por parte das imobiliárias dentro da nova área protegida. Já a Câmara de Silves admite “algum desenvolvimento” urbanístico.
A Lagoa dos Salgados, no Algarve, vai ser a próxima área protegida a ser classificada em Portugal, após mais de duas dezenas de anos de reivindicações dos ambientalistas. O aviso do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) já foi divulgado e a consulta pública abre no dia 9 de Dezembro. A proposta de classificação do Ministério do Ambiente não se restringe à zona húmida, abrangendo uma área de cerca de 400 hectares. Desde modo, fica posta em causa a viabilidade de um dos megaprojectos turísticos, com mais de 4000 camas, inscritos na carteira de negócios do Millennium/BCP.
A associação Almargem saúda a decisão: “Sem sombra de dúvida, um marco histórico para a conservação da natureza”. O que falta esclarecer, sublinha, é a forma como se compatibiliza a valorização da zona húmida com os chamados “direitos adquiridos” para construir na praia Grande. Em causa estão três unidades hoteleiras, seis aldeamentos turísticos e um campo de golfe de 18 buracos. “A criação da área protegida é uma boa notícia, mas temos de consultar a proposta para saber, no concreto, o que se está a anunciar”, diz Anabela Santos, da organização ambientalista, lembrando “velhas lutas” travadas em nome da defesa desta faixa territorial, no concelho de Silves, situada entre Albufeira e Armação de Pêra.
“Vou tentar saber se há direitos adquiridos, mas certamente que não há dentro da área que vai ser reserva”, disse o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, em declarações ao PÚBLICO.
Em 2018, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDR) deu parecer negativo ao Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução (Recape) das Infra-estruturas Gerais da Unidade de Execução da primeira parte do Plano de Pormenor (PP) da Praia Grande. A propriedade, antes de chegar à posse do Millennium, passou pelo Grupo Galilei/ex-SLN-BPN. O novo Plano Director Municipal de Silves, aprovado este ano, mantém para a Praia Grande uma Unidade Operativa de Planeamento (UOP), deixando em aberto a possibilidade de edificação.
“Nós não somos contra o desenvolvimento que possa existir em termos turísticos – sempre dissemos que pode haver algum desenvolvimento [urbanístico], em conformidade com a preservação dos valores ambientais daquele território”, disse ao PÚBLICO a presidente da câmara, Rosa Palma (CDU), quando questionada sobre o assunto. A Almargem tem opinião contrária e afirma que “não acompanha de todo a decisão da edilidade de Silves ao optar por não revogar a UOP”.
A futura Reserva Natural da Lagoa dos Salgados situa-se em plena baía dos Salgados, entre a ribeira de Alcantarilha e o sapal de Pêra-Alcantarilha, tendo no limite sul o cordão dunar e a praia Grande. Os mais de 400 hectares são compostos por zonas húmidas, pomares de sequeiro e prados secos. O complexo de ecossistemas terrestres e aquáticos, no seu conjunto, forma uma unidade que os ambientalistas entendem dever ser preservada, mandando para a gaveta os alegados “direitos adquiridos”, detidos por sociedades imobiliárias e pela banca. Dos valores ambientais em presença, destacam-se 12 espécies de plantas RELAPE (raras, endémicas, localizadas, ameaçadas ou em perigo de extinção), além da zona húmida ser considerada “porto de abrigo” para um milhar de aves aquáticas invernantes.
O ministro Pedro Matos Fernandes reconhece os valores ecológicos em presença: “Esta é uma proposta muito querida por nós e pelos ambientalistas. Por isso, estamos aqui a dar um passo relevante para o restauro dos ecossistemas e para a conservação da natureza”. A última vez que se criou uma área protegida nacional em Portugal foi há 21 anos – a Reserva Natural da Lagoa de Santo André e da Sancha (municípios de Sines e de Santiago do Cacém).
A Reserva Natural da Lagoa dos Salgados será a segunda da região a integrar a Rede Nacional de Áreas Protegidas, a par da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António, constituída em 1975.
A Comunidade Intermunicipal do Algarve – Amal tem vindo a reivindicar uma maior participação na co-gestão e definição do papel das áreas protegidas, nomeadamente na ria Formosa, que é parque natural. Apesar das dúvidas que alguns levantam sobre um maior envolvimento das autarquias, Matos Fernandes entende que a questão do conflito entre o interesse público e privado (leia-se imobiliário] não se coloca: “Quando nos sentamos à mesma mesa – ONG, autarquias e ICNF, só a linguagem é que é diferente, os propósitos são muito comuns. Não tenho dúvidas que as autarquias têm uma grande preocupação com a gestão do território”, rematando: “Não serão os prédios de Armação de Pêra que fazem do litoral de Silves um litoral diferente”.