Um pub irlandês ganhou o Turner Prize
Projecto do Array Collective, um grupo de Belfast cujo trabalho é marcadamente político, foi o favorito do júri, que lhe concedeu a mais importante distinção das artes visuais britânicas.
Dos cinco colectivos comprometidos com a mudança social que este ano disputavam o Turner Prize, a mais importante distinção britânica para a área das artes visuais, o júri preferiu um grupo de 11 artistas de Belfast que tem trabalhado temas como o aborto, os direitos queer, a saúde mental, a “gentrificação” e o acesso à protecção social, mas também a questão irlandesa. Vão para o Array Collective as 25 mil libras (29,3 mil euros) da edição 2021 deste prémio, distinguindo assim uma prática artística feita “no contexto difícil, dividido e sectário da sociedade de hoje”, como afirmou o presidente do júri, Alex Farquharson, citado pelo diário The Guardian.
“Eles lidam com assuntos importantíssimos, mas trazendo sentido de humor, prazer, alegria, esperança e hospitalidade – muitas vezes através do absurdo, do camp e do teatro – a uma situação extremamente tensa”, acrescentou o também director da Tate Britain, sublinhando o espírito “libertador e pós-sectário” do modo de pensar do colectivo, mas também a leveza e o “sentido de Carnaval” com que tratam questões fracturantes como os direitos LGBT e das mulheres.
A instalação com que o Array Collective venceu o prémio, The Druithaib’s Ball, replica um pub irlandês ilegal, ao mesmo tempo que evoca estruturas cerimoniais características da cultura celta e signos da cultura de protesto como as bandeiras e as faixas que se usam em manifestações, neste caso defendendo os direitos reprodutivos da população não-heterossexual e condenando as terapias de conversão. O grupo, fortemente marcado pelas cicatrizes das lutas independentistas na Irlanda do Norte, descreve-a como “um lugar para nos juntarmos fora das barreiras sectárias”. A sugestão é de que a política pode e deve ser feita na rua, mas de forma “mais divertida e menos combativa”, como aponta o crítico David Sillito na BBC.
“Numa comunidade em que as marchas de protesto e a arte de rua estão demasiadas vezes carregadas de sentidos sectários, os Array querem criar novos eventos e novos símbolos, e subverter a mitologia local de modo a responder a diferentes identidades, para lá das linhas divisórias habituais”, argumenta o jornalista da BBC.
Considerando “surreal” a atribuição do prémio, que até aqui nunca tinha ido para Irlanda do Norte, o grupo já declarou que pretende usar o dinheiro para assegurar o aluguer do seu estúdio em Belfast.
Ao prémio concorriam também os colectivos londrinos Black Obsidian Sound System (BOSS) e Cooking Sections – o primeiro formado por pessoas não-brancas queer, trans e intersexo apostadas numa redefinição da cultura do soundsystem das diásporas africanas; o segundo focado no modo como a comida expõe dinâmicas de extracção e de consumo não-sustentáveis –, o projecto Gentle/Radical, de Cardiff, que trabalha a arte como ferramenta de mudança social, e o grupo Project Art Works, sediado em Hastings. Cada um dos projectos finalistas recebeu dez mil libras.
A decisão de restringir a lista final deste ano a artistas que trabalham em modo colaborativo e colectivo foi controversa, mas Alex Farquharson lembra que noutras disciplinas, como o teatro, o cinema ou a performance, esta é uma prática comum.
No ano passado, devido à crise pandémica, o Prémio Turner foi suspenso pela primeira vez desde a sua instituição, em 1984, mas em sua substituição foram entregues bolsas de dez mil euros a dez artistas. Em 2019, o júri optou, numa decisão sem precedentes, e a pedido dos próprios, por atribuir o prémio aos quatro finalistas.