No último livro de Daniel Sampaio, intitulado Covid-19 - Relato de um sobrevivente (Editorial Caminho, 2021), o médico descreve a sua experiência como doente com covid-19. Foi uma jornada dolorosa, que incluiu o internamento nos Cuidados Intensivos no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, mas com um final feliz. Com a sua conhecida clareza, o célebre psiquiatra partilha com o leitor os seus receios, lutas e expectativas. Logo nas primeiras páginas da obra, identifica a existência de duas pandemias: a viral e a silenciosa. Esta última é, no fundo, um alerta para ninguém esquecer o efeito do vírus SARS-Co-2 na saúde mental da população.
O professor prevê o aumento da depressão, ansiedade e stress pós-traumático. Na minha prática clínica, como médico de família, constato também o aparente aumento destas patologias. Ouço queixas que podem identificar algumas causas como “É difícil conciliar as reuniões Zoom com os miúdos lá em casa” ou “Recebo constantemente emails do trabalho durante a noite”, e ainda “Tantos anos a estudar para receber tão pouco. É claro que descrevo apenas a minha experiência, o que é necessariamente redutor. Felizmente há investigadores portugueses focados nesta temática.
Um exemplo recente é o estudo Os jovens em Portugal, hoje: quem são, o que pensam e o que sentem, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que teve aqui no P3 o devido destaque com alguns dados preocupantes, como a precariedade laboral, baixos rendimentos e o facto de um em quatro jovens já ter sido medicado para a depressão e ansiedade. Mas mesmo considerando que a covid-19 é apenas uma das causas e que precisamos de mais dados para tirar conclusões, parece-me oportuno reforçar a importância da saúde mental nos jovens. É que, infelizmente, mantém-se o estigma das doenças mentais. Nesta sociedade de consumo e de cidadãos que se querem sempre produtivos, a depressão e ansiedade são menos aceites socialmente do que uma patologia física, pois o que não aparece em nenhum exame vistoso e tecnológico é praticamente invisível. E muitos ainda consideram a patologia mental sinónimo de fraqueza e de falta de força de vontade.
Perante isto, como podemos ajudar os mais jovens? Como escreveu Pedro Morgado, aqui no PÚBLICO, no Dia da Saúde Mental, em 2018, “o princípio de qualquer solução é falar”. A comunicação social está já a ter um papel de serviço público ao abordar estes temas, e algumas figuras públicas começam a contar as suas experiências contribuindo para o combate ao estigma. Mas cada um de nós também pode ter um papel activo. A nossa família e o nosso grupo de amigos podem ser lugares para a promoção da saúde mental. Sem condescendência, podemos criar espaços seguros para a partilha. Se pudermos expressar o que sentimos podemos identificar atempadamente quais os jovens que precisam de apoio. Podemos ainda contribuir com algumas investigações para que a ciência identifique factores de risco e de protecção que serão úteis para programas de prevenção e intervenção.
Um dos exemplos é o estudo Resultados Colaborativos sobre Saúde e Funcionamento durante o Tempo de Infecção, um grande projecto de pesquisa internacional para toda a população de países afectados pela pandemia de SARS-CoV-2. Como cidadãos, podemos ainda exigir aos nossos líderes os recursos necessários para que a saúde mental não se mantenha o parente pobre do Serviço Nacional de Saúde. Os cuidados de saúde primários (CSP) prestam um serviço de proximidade, pelo que são essenciais para o acesso a tratamento adequado. Mas com as equipas sobrecarregadas, a capacidade de resposta está limitada. Assim, precisamos de medidas concretas, como a integração de mais psicólogos em equipas multidisciplinares nos CSP e o alargamento de consultas de apoio aos jovens.
É que a pandemia silenciosa exige soluções audíveis.