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Frida Kahlo: a pintura, não o melodrama
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É o desafio apresentado pelo catálogo raisonné da editora Taschen sobre a artista mexicana Frida Kahlo: é uma obra monumental não só por causa do seu formato XXL, mas porque se propõe resgatar a obra da pintora mais famosa do mundo do marketing que a tem ofuscado. É preciso voltar a olhar para as 151 pinturas que Kahlo produziu e pôr o melodrama em segundo plano, diz o historiador de arte mexicano Luis-Martín Lozano.
Luis-Martín Lozano, aliás, terá a sua quota-parte na elevação, este mês, de Frida Kahlo (1907-1954) à categoria de artista latino-americano/a com a obra mais cara vendida em leilão. Foi o historiador de arte mexicano que escreveu o texto do catálogo da Sotheby’s que resultou na venda por 30 milhões de euros de um dos seus famosos auto-retratos, este:
Mas não lhe falem em corridas e rivalidades com Diego Rivera — o artista e marido de Frida Kahlo —, porque é contra tudo isso que se posiciona o livro da Taschen, de que é o autor principal.
Luis-Martín Lozano conversou com Isabel Salema ao telefone a partir da Cidade do México. Diz que o catálogo da Taschen é um trabalho de revisão historiográfica e de investigação sobre uma mulher que tem visto a sua vida pessoal e privada auscultada como poucos outros artistas no século XX, demanda que a converteu num objecto de culto, por vezes próximo do fanatismo. Proposta do historiador: Frida como uma artista que pensou o corpo de uma forma total, uma artista que hoje chamaríamos performativa.
"A pintura de Frida Kahlo não é autobiográfica, porque ela não está a contar a sua vida. Isso não interessa a Frida. Porém, ela é o eixo em torno do qual analisa o que lhe sucede. Sim, é esse o referente, o que não quer dizer que o quadro esteja a contar a sua vida, mas pode devolver a angústia que lhe provoca o que acontece. O histórico, o ideológico, o político, o pessoal, o artístico e nesse cenário, supostamente, estaria o que lhe acontece com a sua doença".
João Paulo Borges Coelho escreveu um romance central na história da literatura em português. Chama-se Museu da Revolução e podia ser um épico se não fossem os esquecidos aquilo que lhe interessa. É a eles que se ergue este monumento.
Várias razões tornam imperdível a entrevista de Isabel Lucas ao autor nascido do Porto filho de uma moçambicana e de um português que foi viver cedo para Moçambique e se tornou moçambicano por escolha. Por exemplo, a clarividência sobre a história pública e privada de um país:
"Logo a seguir à independência a academia foi um espaço rico. Académicos franceses, ingleses, portugueses, americanos vinham ver de perto a experiência e permitiam uma grande abertura e intercâmbio de ideias. Isso coexistia com uma atitude mais austera dos poderes públicos. Só depois, na ressaca desses dias, a partir de finais dos anos 70, houve uma crise profunda relacionada com o alastramento da guerra civil. Sobretudo a partir de 81 espalhou-se por todo o território. Foram anos difíceis em que o país foi atingido por uma seca prolongada. As autoridades irritavam-se com a situação e a falta de obediência das coisas. Havia ideias, havia perspectivas, havia intenções e a realidade não obedecia. Foram tempos de fechamento. Isso não significava que as correntes do trabalho migratório, sob o eufemismo da formação, não acontecessem. As pessoas iam e traziam as suas experiências. São tempos dispersos, aparentemente paradoxais, mas essas dinâmicas desencontradas existiam"
Leiam aqui... um romance para tirar Moçambique do gueto.
O novo disco de Dino d'Santiago, Badiu, o álbum depois da aclamação, obra calorosa onde abraça vários sonhos sem se desconectar com a realidade dura e complexa, um final de uma trilogia iniciada com Mundu Nôbu, de 2019, e continuada, o ano passado, com Kriola, serve de impulso a Vítor Belanciano para elaborar sobre o triunfo do crioulo em Portugal. Com as vozes, neste artigo, de Julinho KSD, Vado Mas Ki Ás, Scúru Fitchadú ou de Mariana Águas, conhecedora e consumidora de hip hop. Que às tantas diz: "Quando penso em mim e na minha vida e em arte que seja capaz de traduzir aquilo que é o meu tempo, da intolerância ao que é diferente, ao desmoronar progressivo do capitalismo, é em muitos destes músicos que penso. E isso tem também a ver com o crioulo.”
Este final de ano está a juntar nos nossos ecrãs - os das salas, os das plataformas - mais do que uma mão cheia de filmes que não se podem recusar. Para colocar ao lado de The Card Counter de Paul Schrader, estreado a semana passada, como proposta para um dos títulos do ano está aí, esta semana, As Noites Brancas do Carteiro, de Andrei Konchalovsky. É um filme de 2014, só agora ao alcance dos espectadores portugueses, em que o que restou das grandes epopeias se ergue das cinzas com um lirismo arrebatador.
Mas espreitem, e façam mais do que isso, Benedetta, com Paul Verhoeven de volta aos maus hábitos, ou Identidade, de Rebecca Hall
Vem aí um ciclo (no S. Jorge, em Lisboa) sobre o cinema independente americano. Outsiders, entre 30 de Novembro e 8 de Dezembro, trará à sala lisboeta filmes produzidos ao longo da última década e meia e nunca estreados em Portugal. Independentes de quê? De Hollywood.
Para a semana há mais... bom cinema, com Mães Paralelas, de Almodóvar, e As Irmãs Macaluso, de Emma Dante, e ainda melhor Ípsilon