João Leão: “Subsídios de férias e Natal dão-nos a margem para aumentar salários da função pública”
Em entrevista, o ministro das Finanças explica como vai conseguir governar em duodécimos até Maio, data em que prevê que já possa haver novo Orçamento, se o PS ganhar as próximas eleições. Garante que será possível fazer injecção de 990 milhões na TAP, admite que entendimentos com PSD são difíceis e fala sobre a sua relação com o ministro Pedro Nuno Santos.
O ministro das Finanças, João Leão, explica como há margem para governar em duodécimos e assume, em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, que o mecanismo do IVaucher pode ser estendido a outras áreas. Pode ouvir esta entrevista esta quinta-feira pelas 23h.
Sabendo o que sabe hoje, teria feito alguma coisa de diferente na preparação e negociação do OE2022?
Preparámos o OE para enfrentar o momento que vivíamos com a pandemia e com a recuperação económica. No âmbito dessa preparação, fomos ouvindo as preocupações dos principais partidos que têm viabilizado os OE.
Depois das eleições de 2022, caso o PS vença, mas sem maioria absoluta, há condições de confiança suficientes para voltar a negociar com PCP e BE?
É muito importante assegurar boas condições de governabilidade e estabilidade para o país. Estamos numa fase crítica de recuperação económica. Estimo que possamos atingir um crescimento superior a 10% nos próximos dois anos. O fundamental para conseguirmos essa estabilidade é o PS ter uma maioria reforçada que dê condições de governabilidade e o PS é o melhor partido que está em melhores condições de o fazer.
A relação com o BE e o PCP ficou de algum modo afectada?
É inegável que a reprovação do OE teve o seu significado. Em 2019, os portugueses mostraram que queriam que este caminho se mantivesse. Com a reprovação do OE, torna-se mais importante ver como se assegura a governabilidade e estabilidade num momento crítico.
Ainda é possível ser com o PCP e o BE?
O melhor para o país era ter uma maioria reforçada do PS. Senão, temos de estar abertos a governar prosseguindo aquilo que foram os resultados que conseguimos desde 2015. Agora, é importante ouvir os portugueses, e em função disso temos de estar preparados para conseguir as condições de governabilidade. Para conseguirmos um entendimento como o que houve até aqui é preciso que todos estejam com abertura para tal.
Rui Rio já se disponibilizou para viabilizar os dois primeiros OE do próximo governo socialista. Como ouviu essas declarações? Isso é viável? Como se negoceia um OE com o PSD?
A vontade do Governo e do PS será no sentido de manter a trajectória que foi conseguida nos últimos anos, virar a página de austeridade, melhorando ano a ano a vida dos portugueses, e criar condições para o crescimento da economia. Em muitas áreas, temos visões diferentes do PSD – nem sempre é fácil chegar a entendimentos com o PSD. Ainda no ano passado, a forma de enfrentar a crise pelo PSD foi muito diferente da nossa: achavam que estávamos a dar tudo a todos e tinham uma lógica de austeridade para enfrentar a crise.
Em breve, o Parlamento é dissolvido e o país fica a viver em duodécimos. Se o PS ganhar as eleições, quando é que acha que podemos ter Orçamento para 2022?
É possível apresentar um OE ainda durante o mês de Março. Será feito em tempo recorde. Apresentado em Março e aprovado no final de Abril ou ainda em Maio e entrar em vigor por essa altura.
Em duodécimos, onde vai buscar o dinheiro para os aumentos salariais da função pública? Isso ainda nunca foi esclarecido. A que gaveta vai buscar esse dinheiro?
Em duodécimos, podemos executar 1/12 em cada mês. Esperamos tomar no início do ano as medidas que são habituais tomar: actualização de salários, pensões e medidas sobre o salário mínimo. No que toca a prestações sociais, como as pensões, a Lei de Enquadramento Orçamental dá uma flexibilidade no sentido da antecipação de duodécimos. No que toca a despesas com pessoal, aplicamos 1/12 em cada mês, sabendo que devido aos subsídios de férias e de Natal aplica-se menos do que 1/12 que nos dá aqui a margem necessária para fazer a actualização regular dos salários (0,9%) em função do valor da inflação e que representa 225 milhões de euros.
Um agravamento da pandemia, com o Governo a funcionar em duodécimos, não vai dificultar a gestão? Imaginemos que são precisos mais apoios às empresas e alargar o layoff.
Partimos do OE2021, que tinha alguma capacidade de responder a esse nível perante a pandemia. Os últimos números da conjuntura económica sobre Portugal ainda são bastante positivos. Há um desafio que não podemos ignorar: em toda a Europa, o número de casos de covid-19 estão a aumentar significativamente e há países da zona central e de leste que estão a adoptar medidas de confinamento que afectam a economia. Em Portugal, temos uma taxa de vacinação muito alta, o que cria a expectativa de que não venham a ser necessárias medidas que afectem muito a actividade económica. O Governo vai aprovar medidas mais relacionadas com a necessidade de usar máscara, de vacinação, de uso de certificado, de garantia de que as pessoas que chegam a Portugal não tenham covid.
E vai haver mais apoios às empresas ou não?
Neste momento, temos apoios preparados em função das medidas que forem tomadas. Não antecipamos a necessidade dessas medidas, mas, se a pandemia começar a afectar a actividade das empresas e a receita, as medidas estão em vigor e têm até em alguns casos mecanismos automáticos que permitem reforçar esses apoios, como é o caso do apoio à retoma progressiva e o layoff.
Não vai haver então restrições ao horário do comércio, dupla exigência de certificado e teste negativo para acesso a estabelecimentos comerciais?
Neste fase, não se entende como necessário restrições a horários de comércio. A expectativa é que não sejam tomadas medidas que afectem significativamente a actividade, mas o uso de máscara, mais testes – nalguns casos medidas mais especiais, como a dupla exigência que refere, dado o cuidado adicional com o contágio e em circunstâncias muito específicas.
Com a queda do Governo, não ficam em causa as primeiras metas de reformas estruturais que Portugal tinha de cumprir para receber os apoios do PRR? Uma dessas reformas passava pela nova lei das ordens profissionais. Quais são as outras desta primeira fase?
Nesta primeira avaliação, não há medidas que dependam da aprovação da AR. O Governo está em condições de as aprovar. Há um conjunto muito diversificado de medidas, nomeadamente sobre o funcionamento das empresas públicas (estamos a fazer a reforma dos incentivos para a gestão das empresas públicas para melhorar a sua performance financeira), um conjunto de investimentos que estamos a realizar, questões de estratégias que temos de aprovar. Nas próximas semanas, será aprovada a estratégia de combate à pobreza.
Com o IVAucher e o Autovoucher, o Governo apostou numa estratégia de créditos fiscais. Essa estratégia pode ser alargada a outros impostos, inclusive ao IRS?
Para o IRS, a nossa proposta de alívio fiscal passa pela alteração do número de escalões. O mecanismo do IVAucher (até ao momento já foram transferidas para as famílias três milhões de euros) e do Autovoucher permite-nos actuar com mais rapidez em situações que obrigam a alterações muito súbitas da conjuntura e em que são precisos mecanismos rápidos para ajudar as famílias e as empresas.
Mas, pensando no futuro, este modelo de crédito fiscal pode vir a ser usado noutras situações, nomeadamente, para famílias mais pobres?
Há dois tipos de medidas, as estruturais (como o desagravamento do IRS pelo desdobramento de escalões) e as não permanentes, como este mecanismo de IVAucher, que é mais adequado a situações de ter de agir de forma rápida. É um mecanismo inovador e contamos que no futuro possa ser explorado nas suas diferentes vias. Temos aqui uma inovação do ponto de vista tecnológico. Vemos com bons olhos que este mecanismo possa ser explorado nas suas potencialidades. O que existe já chega neste momento a 1,3 milhões de portugueses. Temo-lo usado mais para natureza extraordinária e temporária, mas não excluo que possa ser usado noutras situações.
Poderia passar, a prazo, pelo IRS também, é isso?
Neste momento, não temos nada previsto, mas as suas virtualidades podem ser exploradas por essa via, uma vez que em função do consumo das empresas pode-lhes ser devolvido de uma forma muito rápida um crédito fiscal com base nesse consumo.
O Governo vai continuar a aplicar o adicional de ISP em Janeiro? Essa norma não foi aprovada agora no Parlamento, como foi, por exemplo, a contribuição extraordinária da banca.
Essa medida foi aprovada no anterior Governo PSD-CDS e foi incorporada no ISP. O que a norma faz é consignar essa verba ao Fundo Florestal Permanente. Tem de se garantir no futuro OE um mecanismo para que essa verba vá para a política florestal.
Acredita que será possível reaver os mil milhões de euros em ajudas ilegais como referiu a Comissão Europeia? E julga ser viável a continuidade da Zona Franca da Madeira?
Estamos a ver com a Comissão quais são as formas de reaver os montantes. Não é uma opção fácil de concretizar. Se for para a criação de empregos e para a dinamização da economia, a Zona Franca da Madeira tem viabilidade e deve ser preservada.
Haverá condições para voltar a impor limites ao défice em 2023?
O que foi decidido a nível de Ecofin é que as regras estariam suspensas, mas que voltariam em 2023. Coisa diferente é que regras devem estar presentes e quais os mecanismos de ajustamento previstos nessas regras. Isso é algo que está em discussão neste momento na Europa. O Governo português entende que deve haver uma revisão significativa dessas regras orçamentais. Não podemos ignorar que passámos por uma crise muito acentuada, a maior crise desde a II Guerra Mundial, depois por uma crise das dívidas soberanas em 2011. Tivemos duas crises muito acentuadas em dez anos que alteraram radicalmente as situações financeiras e orçamentais dos países da UE. A dívida pública europeia média há cerca de 20 anos era 60% do PIB; é agora de cerca de 100% do PIB. Não podemos olhar para as regras orçamentais e pensar que tudo ficou na mesma. E agora temos de ter maior capacidade para responder a crises, como a que aconteceu em 2020/2021. Temos de aprender as lições da crise. Não é esperado que em outras crises se venha a suspender as regras. Tem de haver uma solução mais flexível que permita à Europa responder com mais vigor. Por outro lado, temos taxas de juro que são cerca de 0% desde 2009. Estas taxas dizem-nos que o BCE está limitado na sua capacidade de resposta. Não pode descer muito mais os juros.
Que novas metas defende?
Não são só as metas que contam, mas o caminho para essa redução da dívida. É importante suavizar a redução, criar mecanismos flexíveis que se ajustem às condições de cada país e não regras tão rígidas iguais para todos e que seriam muito violentas para alguns países como Itália ou Grécia. Parece-nos também que faz sentido introduzir outras referências mais realistas sobre a dívida pública. O patamar dos 100% ainda é muito distante para muitos países. Devia haver patamares mais coerentes com o que se verifica.
É possível rever os tratados em 2023?
Não precisamos de rever os tratados. Estes caminhos podem ser feitos de forma que não exija unanimidade de todos os países. Não implica uma revisão. É criar mecanismos de ajustamentos. É importante a Europa não fazer um reajustamento demasiado rápido nas regras orçamentais que ponha em causa a recuperação económica.
"Temos uma rubrica no Ministério para podermos fazer [em duodécimos] injecção de capital na TAP"
A discussão com Bruxelas sobre a TAP está na fase final, manifestou confiança de que plano de reestruturação será aprovado em breve. Para quando?
A discussão está bastante próxima do final. Esperamos ter o plano aprovado antes do início de 2022.
A proposta de Orçamento do Estado de 2022 previa que a companhia aérea iria receber 990 milhões de euros. Em duodécimos, como vão resolver este problema? A TAP não precisa do dinheiro?
Há uma parte que conseguimos transferir já que é a compensação pelo efeito da covid-19 e isso não depende do plano. São 170 milhões. Mal o plano de reestruturação esteja aprovado, contamos fazer uma nova injecção de capital na TAP. Gostaríamos de a fazer ainda este ano, mas também a podemos fazer em duodécimos [ao abrigo] de uma rubrica que tem que ver com a aplicação em investimentos financeiros do Ministério das Finanças e que tem o montante necessário [para perfazer os 990 milhões].
O perdão de dívida da CP ficou sem efeito com o chumbo do OE2022, porque, segundo o ministro Pedro Nuno Santos, “a forma escolhida pelas Finanças para resolver a questão foi transformar a dívida em aumento de capital do Estado” e isso é inviável sem OE. Isso significa que as Finanças estão a condenar a CP?
A redução da dívida histórica tem vindo a ser feita, mas em 2022 seria maior. E é algo que ainda pode vir a ser feito no próximo OE para 2022.
Depois da crítica que Pedro Nuno Santos lhe fez em público sobre a CP – “Se dependesse de mim, o problema estava resolvido” –, já teve oportunidade de falar com o seu colega ministro ou estão de relações cortadas? Achou injusta esta crítica?
Já depois dessa situação, preparámos em conjunto de várias medidas do OE para o Ministério das Infra-Estruturas que têm medidas muito importantes. Eu estou no Governo há seis anos, sempre nesta área das Finanças, que implica interacções várias com muitos ministérios e muitos sectores. Estamos habituados a que em determinados momentos haja mais emotividade.
Alguns membros do Governo, como a ministra da Justiça, já assumiram que não vão continuar no governo, caso o PS ganhe as eleições. O ministro está disponível para ficar?
A formação do governo é uma competência exclusiva do primeiro-ministro. Eu estou focado em garantir que temos desafios importantes no final deste ano, que a evolução do sector financeiro seja positiva, em preparar o PRR e os próximos meses de 2022. A minha carreira é a académica, sou professor no ISCTE e tenho muito gosto nessa função.
Tem saudades da pasta da Administração Pública no seu Ministério das Finanças ou está bem assim num ministério autónomo?
Não vou pronunciar-me sobre a orgânica do Governo. Houve aspectos muito positivos.