CPAS: a liberdade de escolher que o Parlamento se esqueceu de debater

A discussão, aquela que verdadeiramente interessa, é a luta que tem sido travada ao longo dos anos e sobre a qual alguma expectativa foi sendo criada: a do justo pagamento das devidas contribuições pelos advogados. É disto que se fala, e é isto que ainda não foi tratado.

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@Daniel Rocha

Após um referendo realizado a 2 de Julho último, a maioria dos advogados portugueses, onde se incluem milhares de jovens da classe, votou favoravelmente para que se pudesse escolher o regime de previdência.

O resultado final foi de 16.852 votantes, venceu o “sim” com 9076 votos, 53%. A decisão de ir a referendo foi tomada em Assembleia Geral Extraordinária, em Março, onde votaram 5465 advogados: 3523 advogado a favor (71%) e 1384 contra (28%).

Muito se tem falado sobre a proposta levada ao Parlamento pelo Bloco de Esquerda e agora chumbada, mas a verdade é que ela não reflectia de forma nenhuma a vontade dos advogados portugueses. Isto é: o referendo ditou que estes profissionais possam livremente escolher o seu sistema de contribuições, e nada disto foi objecto da proposta do Bloco de Esquerda. Esta incidia especificamente na integração da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) na Segurança Social e nada disto foi levado a referendo (ver projecto de lei 614/XIV/2. BE).

De salientar que este projecto de lei foi admitido na Assembleia da República a 6 de Janeiro de 2021 antes, da realização do referendo, mas, de qualquer forma, o Bloco de Esquerda entendeu sujeitar o diploma a votação sabendo que nada disto era o que a classe pretendia. 

Mas por que razão afirmo que o Parlamento se esqueceu de votar a liberdade de escolher sobre o sistema de previdência dos advogados? Por uma única razão. A deputada não inscrita Cristina Rodrigues avançou com um projecto de lei admitido na Assembleia da República a 28 de Dezembro de 2020, mas que ainda não foi votado. É este, na verdade, o diploma que contém a vontade da maioria dos advogados. 

Mas o espanto de tudo reside em não se entender como pode o Bloco de Esquerda ter apresentado um projecto de lei que nada tem a ver com a vontade que resulta do referendo (não se referendou a integração da CPAS, mas sim a escolha entre esta e a Segurança Social), que deu entrada nos serviços em data posterior ao projecto de lei da deputada não inscrita Cristina Rodrigues e que já foi devidamente “despachado”. O diploma que realmente interessa, o “verdadeiro” (leia-se, o que corresponde à vontade dos interessados), parece andar esquecido pelos corredores da Assembleia da República. 

A importância do tema reside essencialmente na prerrogativa, talvez a mais importante, do valor de cálculo obrigatório a descontar. A discussão, aquela que verdadeiramente interessa, é a luta que tem sido travada ao longo dos anos e sobre a qual alguma expectativa foi sendo criada: a do justo pagamento das devidas contribuições.

É disto que se fala, e é isto que ainda não foi tratado.

Ou seja, realizar os devidos descontos obrigatórios pelos rendimentos auferidos, e não pelos anos de inscrição na Ordem dos Advogados, onde até ao quinto escalão se torna obrigatório pagar a quantia de 251,83 euros mensalmente, mesmo que num determinado mês o valor do rendimento auferido seja de zero euros.

No entanto, o cálculo para os restantes profissionais liberais que estão obrigados também à inscrição em ordens profissionais é feito de uma forma. Todos eles descontam para a Segurança Social, sempre de acordo com o princípio constitucional da capacidade contributiva. Os advogados, na sua maioria, também são profissionais liberais.

Com tudo isto, o Bloco de Esquerda não pode aproveitar politicamente esta fragilidade para criar a ideia (errada) de que está a favor da liberdade de escolha e que está dos lados dos mais fracos. Aliás, o Bloco de Esquerda sabe que aquilo que propôs não foi aquilo que o referendo decidiu, nem de perto nem de longe. 

O projecto de lei que tem em conta essa vontade é pertença da deputada Cristina Rodrigues e ainda não foi sujeito a discussão no Assembleia da República.

O que se sabe é que o assunto CPAS já podia estar resolvido, tendo em conta as datas da admissão na Assembleia da República. O projecto do Bloco foi apresentado a 6 de Janeiro de 2021 e rejeitado a 19 de Novembro de 2021; o projecto da deputada não inscrita Cristina Rodrigues, apresentado a 28 de Dezembro de 2020, ainda está por discutir.

Porquê? Talvez seja segredo de Estado.

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