“Portugal tem registado excedências contínuas e persistentes do valor-limite anual de dióxido de azoto em três zonas de qualidade do ar: Lisboa Norte, Porto Litoral e Entre Douro e Minho”, constata a nota de imprensa da Comissão Europeia publicada na sexta-feira onde se anuncia a intenção de avançar com uma acção contra Portugal no Tribunal de Justiça da União Europeia devido à má qualidade do ar causada por níveis elevados de dióxido de azoto (NO2).
As cidades do Porto e Lisboa são as que mais contribuem com as emissões deste poluente, sendo que nos últimos 15 dias os valores em Lisboa eram praticamente o dobro do limite. A associação Zero insiste que é preciso reforçar as zonas de emissões reduzidas nos centros das cidades.
A acção da comissão terá passado despercebida quando todas as atenções estavam viradas para o sprint final da cimeira do clima (COP26), mas a divulgação esta segunda-feira do relatório da Agência Europeia do Ambiente (EEA, na sigla em inglês) sobre o impacto da poluição do ar na mortalidade prematura acabou por recuperar a má notícia. Portugal é chamado a prestar contas sobre a poluição atmosférica provocada pelo dióxido de azoto que resulta principalmente do tráfego rodoviário, em especial de veículos a gasóleo.
Aliás, mais do que passar dos limites, o país deverá ser sancionado por não ter adoptado quaisquer “medidas adequadas para limitar ao mínimo o período de excedência” nas áreas urbanas. “Se os valores-limite fixados pela legislação da UE relativa à qualidade do ar ambiente forem ultrapassados, os Estados-membros devem adoptar planos de qualidade do ar que permitam assegurar a aplicação de medidas adequadas para reduzir tanto quanto possível o período de excedência”, adverte a Comissão.
É o presidente da Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável que fala no problema da acção contra Portugal numa conversa inicialmente focada nos dados do relatório da EEA. Francisco Ferreira refere que Portugal deverá arriscar pagar uma multa por esta infracção, desconhecendo, no entanto, qual o valor a cobrar. O que é facto é que, confirma, as cidades de Lisboa e Porto ultrapassam os valores limites definidos para o dióxido de azoto.
E o problema, diz, é crónico mas com picos mais graves ao longo do ano. “Se olharmos apenas para os valores registados na estação [de monitorização da qualidade do ar] da Avenida da Liberdade, em Lisboa, desde 1 de Outubro, os valores de NO2 foram em média de 66 [microgramas por metro cúbico], quando o valor limite é 40”, avisa Francisco Ferreira.
Salvaguardando que as médias diárias dependem de inúmeros factores como as condições do clima que afectam a concentração deste poluente e que, por isso, é abusivo tirar daqui uma média anual, o presidente da Zero nota que nos primeiros 15 dias de Novembro, sem vento para ajudar a dissipar o dióxido de azoto, os valores dessa mesma estação em Lisboa chegam a uma média diária de 85.
Sobre o outro grande centro urbano com elevadas concentrações de NO2 medidos por uma estação localizada na zona de Campanha, no Porto, Francisco Ferreira avisa que esses dados não estão disponíveis no site da Agência Portuguesa do Ambiente. “Esta estação não está a publicar os valores. Não sei sequer se está a recolher os dados”, lamenta, garantindo, no entanto, que as zonas urbanas do Porto e Lisboa são os locais mais críticos quando se fala em poluição do ar.
A solução tem de passar por uma redução drástica do tráfego automóvel, sobretudo nos centros das cidades de Lisboa e Porto, refere o responsável da Zero. Em Setembro, a associação apresentou um conjunto de propostas dirigidas às autarquias em várias áreas. No capítulo da mobilidade, falava de medidas como a criação de ciclovias, o incremento de áreas pedonais urbanas e a reabilitação ou criação de novos interfaces são algumas das propostas inseridas na terceira área. Outra medida que pretende incentivar a mobilidade sustentável é a redução do uso do transporte individual, através da promoção do transporte público, mobilidade suave e penalização do uso do automóvel.
“O Pacto Ecológico Europeu e o Plano de Acção para a Poluição Zero destacam a importância de reduzir a poluição atmosférica, um dos principais factores que afectam negativamente a saúde humana. A plena aplicação das normas de qualidade do ar consagradas na legislação da UE é fundamental para proteger eficazmente a saúde humana e preservar o ambiente natural”, refere a nota de imprensa da Comissão Europeia.
O texto lembra também que “em Maio de 2019, a Comissão enviou a Portugal uma notificação para cumprir sobre a qualidade do ar, a que se seguiu, em Fevereiro de 2020, um parecer fundamentado”. Assim, conclui: “A Comissão considera que os esforços das autoridades portuguesas têm sido, até à data, insatisfatórios e insuficientes, pelo que decidiu intentar uma acção contra Portugal no Tribunal de Justiça da União Europeia.”
Quase seis mil mortes prematuras em Portugal
A poluição atmosférica continua a constituir “o problema mais grave de saúde ambiental na UE”, alerta a Comissão que remete para as estatísticas da EEA sobre as mortes prematuras que podem ser atribuídas, em cada ano, à poluição atmosférica. Porém, a referência é feita antes da actualização com os novos dados que foram divulgados esta segunda-feira pela EEA.
“Em 2019, a poluição atmosférica continuou a conduzir a um fardo significativo de morte prematura e doença nos 27 Estados-membros da UE: 307 mil mortes prematuras foram atribuídas à exposição crónica a partículas finas; 40.400 mortes prematuras foram atribuídas à exposição crónica ao dióxido de azoto; 16.800 mortes prematuras foram atribuídas à exposição aguda ao ozono”, contabiliza a EEA.
Especificamente sobre Portugal, o relatório Impactos da Poluição Atmosférica na Europa, 2021 indica que os valores para Portugal demonstram que em 2019 a exposição a partículas finas esteve associada a 4900 mortes prematuras, num total de 51 mil anos de vida perdidos ou 523 anos de vida perdidos por 100 mil habitantes.
No capítulo do NO2, o balanço é de 540 mortes prematuras, num total de 5600 anos de vida perdidos ou 57 anos de vida perdidos por 100 mil habitantes. Por fim, sobre os danos causados pelo ozono (O3) as estimativas somam mais 270 mortes prematuras em Portugal em 2019, que representam 2900 anos de vida perdidos ou 30 anos por 100 mil habitantes.
No total, as mortes associadas a estes três poluentes em Portugal passaram de 5830 (em 2016) para 6020 (em 2018), mas agora terá sido possível inverter a anterior tendência de aumento com uma ligeira diminuição da estimativa para 5710 óbitos prematuros em 2019.
Na leitura de outro indicador, o relatório assinala ainda que os “benefícios mínimos” para Portugal, se a directriz de qualidade do ar da Organização Mundial da Saúde (OMS) fosse cumprida em 2019, podiam significar menos 1900 mortes prematuras associadas às partículas finas PM 2,5.