Dizem que é apocalíptico. E se não for?
É irresistível pensar no que diz o teórico do movimento Deep Adaptation. É catastrofista? Talvez. Problema: e se formos todos ingénuos e optimistas como David Attenborough?
Um amigo enviou-me um vídeo realista no qual um dinossauro irrompe pela sala da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, vai até ao púlpito e discursa para os diplomatas dos 200 países do mundo ali sentados.
— Atenção, pessoal. Eu sei uma coisa ou duas sobre extinção e permitam-me que vos diga: é péssimo ser-se extinto. E serem vocês a preparar a vossa própria extinção?! Em 70 milhões de anos, isso é a coisa mais absurda que ouvi.
O dinossauro continua a intervenção e os representantes dos governos, que começaram por se encolher de medo, já se recostam e ouvem-no com atenção.
— Nós tivemos um asteróide. Qual é a vossa desculpa? Vocês estão a caminhar para um desastre climático, mas todos os anos os governos gastam centenas de milhões a subsidiar os combustíveis fósseis. Imaginem que nós tínhamos passado anos a subsidiar meteoritos gigantescos! É isso que vocês estão a fazer! Pensem no que podiam fazer com todo esse dinheiro. [...] Esta é a minha ideia maluca: não escolham a extinção. Salvem a vossa espécie antes que seja tarde de mais. Parem de arranjar desculpas e comecem a mudar. Obrigado.
O vídeo não foi feito por um grupo de miúdos activistas. É do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a voz do dinossauro é a do actor Jack Black, foi publicado há um mês e já tem meio milhão de visualizações. É bom saber que os vídeos virais não se limitam aos cães, gatos e bebés.
A ONU está desesperada? Pelo menos está criativa. Há anos que andamos à procura do tom, da voz e do volume certos para falar sobre as alterações climáticas. O recente “basta!” de António Guterres foi ouvido? Talvez. Mas com delicadeza, condescendência e muitos contra-argumentos aparentemente sensatos e aparentemente informados. O PNUD chama-lhes “excuses”.
No seu site, o PNUD lista 19 desculpas e tenta desconstrui-las:
1. “Já faço o máximo que posso” (então convence os outros a fazerem o mesmo — 36% da população mundial não acredita na urgência de travar as alterações climáticas);
2. “Perdemos muito emprego se acabarmos com os combustíveis fósseis” (os empregos não vão desaparecer pois a nossa necessidade de energia não vai desaparecer; a mudança para a energia verde vai criar mais emprego — a energia renovável dá hoje emprego a 11,5 milhões de pessoas);
3. “Sou só uma pessoa, é impossível fazer a diferença” (uma pessoa sozinha seria uma gota no oceano, mas há quatro mil milhões de pessoas que querem mudar — só 10% dos cidadãos diz que os líderes mundiais estão a fazer o máximo para travar as alterações climáticas);
4. “Precisamos de combustíveis fósseis para a nossa economia” (os combustíveis fósseis não curam a nossa economia, prejudicam a nossa economia — em 2018, a poluição do ar causada pelos combustíveis fósseis resultou em 2,9 biliões de dólares (“trillion”) de custos na economia e na saúde, pelo que os 420 mil milhões gastos por ano a subsidiar os combustíveis fósseis podem ser investidos na saúde, educação e outras áreas que reduzem a desigualdade e tornam o mundo melhor);
5. “Não vou ver os efeitos das alterações climáticas no meu tempo de vida” (os efeitos já são presentes e os últimos sete anos foram os mais quentes da História — a ONU fala em 2000 anos);
6. “O lugar onde vivo não será afectado” (mesmo que viva longe da subida dos níveis do mar, o seu estilo de vida vai sofrer impactos graves, desde o ar que respira à comida que enche o seu frigorífico — cada aumento de 0,5º C torna as ondas de calor, as tempestades e as secas mais frequentes e mais intensas).
Etc.
Há notícias animadoras da COP26, em Glasgow. Mas de Paris também houve e sabemos o que se desfez logo a seguir e o que não se fez. Como a regra é arranjar desculpas — não sou eu que o digo, é a ONU — , é irresistível parar e pensar no que diz o teórico do movimento do Deep Adaptation. “Deep” refere-se às medidas “profundas” que o autor da tese — o académico britânico Jem Bendell — diz serem necessárias para adaptarmos o nosso estilo de vida e evitarmos a catástrofe que vem aí. Sem uma “adaptação profunda”, o “colapso societal” é “inevitável”.
Isto não é mainstream e a palavra “deep” não faz parte das negociações climáticas. O leitor já percebeu: muitas pessoas inteligentes, cultas e especialistas em clima estudaram os argumentos de Bendell e há críticos e defensores. Leio as 19 desculpas clássicas para não levar as alterações climáticas a sério e penso nos anos e anos em que o genial David Attenborough nos mostrou a Terra como se tudo estivesse bem. Muitos não o perdoam por ter demorado tanto tempo — a vida inteira — a atravessar-se pelas alterações climáticas.
Bendell assusta e por isso é ineficaz como comunicador. Ninguém quer saber de “colapso”. Mas sabendo nós o que sabemos sobre o estado do nosso planeta, não podemos dar-nos ao luxo de o ignorar. Caro leitor: deixe de se desculpar e veja o que ele diz.