Pensões e sustentabilidade: resposta a um governante
O artigo do secretário de Estado pretende apenas, desajeitadamente, aniquilar um debate iniciado de modo sério . Estamos disponíveis para esclarecer todo o detalhe técnico destas medidas , retirando o debate do frenesim eleitoral do PS.
Gabriel Bastos, Secretário de Estado da Segurança Social, fez neste jornal acusações sem qualquer sustentação. Em vez de contas certas, má propaganda com algarismos.
Na negociação orçamental, o Bloco não propôs qualquer alteração estrutural ao sistema de pensões, limitando-se a defender a continuação de um trabalho iniciado em 2017: a eliminação do corte do “fator de sustentabilidade” (FS) nas pensões antecipadas que ainda o sofrem, apenas 10% de todas as que foram requeridas em 2020.
Escreve Bastos: “O que o Bloco propõe levaria a que as 250 mil pessoas que hoje trabalham e que têm entre 60 e 66 anos se pudessem reformar desde já, independentemente da esperança média de vida, sendo este um sinal completamente contrário à reforma implementada em 2007, que se tem mostrado fundamental para a conquista de anos de sustentabilidade da Segurança Social”.
A afirmação contém dois erros factuais. A proposta do Bloco em debate não altera as regras de acesso à pensão antecipada e incide apenas sobre a fórmula de cálculo do seu valor (retirando um corte de 15,5%). O universo potencial de pessoas que podem reformar-se não muda. Por outro lado, o Bloco nada propôs sobre a regra que já considera o aumento da esperança média de vida para a fixação da idade legal de reforma.
Atualmente, os dois grandes mecanismos de sustentabilidade do sistema por via do fator demográfico são a “idade móvel de reforma” (que varia em função da esperança média de vida) e o “fator de redução” (um corte de 6% por cada ano que faltar para a idade pessoal ou legal de reforma). Este último fator é um forte dissuasor das reformas antecipadas. Desde 2014, o “fator de sustentabilidade” (adicional ao “fator de redução”) foi sendo substituído por aqueles dois mecanismos. A mera eliminação do FS não elimina o “fator de redução”, não mexe na idade móvel da reforma nem nas regras de acesso às pensões antecipadas. Assim, é grotesco afirmar que, caindo o FS (mas mantendo-se um “fator de redução” que pode chegar a 39% e que o Bloco não propôs alterar), haveria uma corrida generalizada às reformas.
À manipulação na definição de universos, o Governo somou um anúncio tremendista: “As propostas representariam mais de 1000 milhões de euros de despesa no curto prazo e a perda de seis anos na sustentabilidade financeira da Segurança Social.” É um número delirante. A “despesa no curto prazo” é um ano, dois, seis? E a que universo diz respeito?
Debatamos com os dados de que dispomos. Aplicada aos pensionistas que requereram a reforma em 2020, a eliminação do FS nas novas pensões abrangeria 10 mil pessoas. Tendo em conta o valor médio mensal das pensões da Segurança Social (474 euros em 2019), teria um impacto de cerca de 11 milhões de euros num ano. Mesmo considerando a aplicação também às pensões da CGA, com um valor médio mais elevado (€1098), chegamos a um impacto de cerca de 5 milhões de euros. Mesmo admitindo que o fim do FS poderia levar a um aumento dos pedidos de reforma antecipada (muito mitigado pela manutenção do “fator de redução”), os valores não têm relação com os que o Governo apresenta.
A segunda proposta do Bloco é eliminar o corte da troika de 62 mil reformas antecipadas - pedidas entre 2014 e 2018 com severos cortes que hoje não ocorreriam. Tendo em conta o valor médio daquelas pensões (que rondará os 500 euros), a eliminação deste corte teria um impacto de cerca de 60 milhões, decrescendo em cada ano.
A terceira proposta não tem relação com o FS: é desenvolver o conceito de “idade pessoal de reforma”, introduzido por Vieira da Silva em 2018. O Governo não apresentou nenhuma estimativa sobre esta medida e o artigo de Bastos pretende apenas, desajeitadamente, aniquilar um debate iniciado de modo sério e tecnicamente consistente na anterior legislatura. Pela nossa parte, estamos disponíveis para esclarecer todo o detalhe técnico de cada uma destas medidas necessárias, retirando o debate do frenesim eleitoral do PS e devolvendo-o ao terreno das opções.