O Homem das Castanhas serve noir nórdico de Outono na Netflix
Série policial dinamarquesa está a ganhar espectadores silenciosamente e é um exemplo das “séries locais” com apelo global que a plataforma de streaming quer vender.
Há séries de época e depois há séries sazonais. É o caso de The Chestnut Man, ou Kastanjemanden no original dinamarquês, ou O Homem das Castanhas no título do livro que lhe serve de base e que foi editado em Portugal em 2019, meses antes de a Netflix anunciar que seria o cerne da sua nova série. A série, rapidamente inscrita na categoria “noir nórdico”, transborda de Outono e de polícias torturados, crianças e mulheres desaparecidas ou mutiladas (emocional e fisicamente). Tem castanhas, abóboras de Halloween e abundantes planos aéreos (os drones, esse recurso cinemático em vias de overdose) de florestas. É também um pequeno grande fenómeno relativamente silencioso.
O Homem das Castanhas estreou-se a 29 de Setembro e penetrou em alguns dos cifrados tops de popularidade mundial da Netflix, mas sobretudo teve honras de figurar (foi a única série de língua não-inglesa em estreia digna de tal menção) no relatório trimestral de lucros da plataforma de streaming como um caso de sucesso das suas séries “locais”. Ou seja, uma série de um país que não os EUA (ou o Reino Unido ou o Canadá) na qual a plataforma apostou encomendando-a e dando-lhe honras de “série original Netflix”. Na mensagem aos accionistas, a Netflix vangloriava-se de contar que dois terços dos seus assinantes dinamarqueses a tivessem visto por estes dias. Mas o caso d'O Homem das Castanhas, um serial killer que esconde, claro, um terrível passado e parece estar sempre um passo à frente dos detectives cansados, de vida pessoal esfrangalhada e roupa adequada para a chuva e vento, já galgou fronteiras.
São seis episódios com base no policial de Soren Sveistrup, que já assinara a obra na base do policial de sucesso The Killing e suas adaptações dinamarquesa e americanas para TV, centrados nos detectives Naia Thulin (Danica Curcic) e Mark Hess (Mikkel Boe Følsgaard) e numa série de crimes com assinatura: bonequinhos feitos de castanhas, espancamentos e amputações — de mães, assinale-se. Em pano de fundo um crime sangrento ocorrido nos anos 1980 e o desaparecimento, um ano antes, da filha da ministra da Segurança Social Rosa Hartung (Iben Dorner), cuja família recupera a custo do crime mediático.
O crítico do site Indiewire Steve Greene resumiu a sua essência na perfeição: “É como um policial de aeroporto que nos agarra mesmo quando é frustrante”. A voracidade que faz saltar de episódio em episódio corresponde aos desígnios do streaming e aos ingredientes-base do género. Há pistas por todo o lado, dos lençóis com folhas de castanheiro aos olhares graves passando pelas sugestões da banda-sonora, e quase toda a gente que povoa O Homem das Castanhas contribui para a noção de que nos países nórdicos cada pedra esconde um pedófilo e cada janela se abre para a violência doméstica ou o homicídio. Ou pelo menos para uma tragédia passada.
Posto isto, O Homem das Castanhas está aí, a retratar um Outubro de investigações que culmina por alturas do Dia das Bruxas, engrossando os arquivos de quem já leu ou viu as adaptações de Stieg Larsson, Henning Mankell ou Jo Nesbo.