Ventura diz que retractação pública que teve de fazer no caso do Bairro da Jamaica não é pedido de desculpa

André Ventura tinha recorrido da decisão, mas a condenação voltou a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa em Setembro deste ano, que considerou “improcedente” a apelação feita pelo líder do Chega.

Foto
André Ventura, deputado do Chega, foi condenado Nuno Ferreira Santos

O Chega divulgou esta sexta-feira a retractação pública que a justiça o obrigou a fazer, por o seu líder ter chamado “bandidos” a uma família do Bairro da Jamaica. Porém, André Ventura fez uma conferência de imprensa para dizer que isso não equivale a um pedido de desculpa, e que só se retractou por as consequências de desrespeitar as ordens dos tribunais serem gravosas. 

"Apenas peço desculpa porque os tribunais assim me obrigaram. Em momento algum considerei a possibilidade de isto poder acontecer, mas aconteceu, e a outra hipótese era levar o partido para um abismo jurídico e financeiro”, justificou-se, acrescentando que mantém a opinião que levou à sua condenação. E repetiu que “discorda violentamente” e não compreende os pressupostos jurídicos que levaram o Tribunal Cível de Lisboa a exigir-lhe a retractação pública. “Faço essa retractação pública violentamente contra a minha consciência”, salientou.

O caso remonta a um debate televisivo durante a campanha para as presidenciais que André Ventura teve com Marcelo Rebelo de Sousa, em Janeiro passado, durante o qual exibiu a foto de uma visita que o Presidente da República fez àquele bairro cerca de dois anos antes. O chefe de Estado aparecia na imagem com uma família que incluía um membro que já tinha tido problemas com a justiça, relacionados com desacatos, condução sob embriaguez e, segundo André Ventura, também por tráfico de droga. Também aparecia uma criança do mesmo agregado familiar na foto. 

O dirigente partidário aproveitou esse facto para sublinhar que o seu adversário tinha preferido ir ao bairro confraternizar com “bandidos” em vez de visitar os agentes policiais agredidos dias antes, durante confrontos com habitantes dali. E acusou estas pessoas de terem vindo para Portugal “viver do Estado social”. 

A acção cível que a família Coxi desencadeou contra o Chega teve a sua primeira vitória em Maio passado, com a juíza responsável pela condenação a escrever que o aspecto mais relevante do processo não era sequer o carácter discriminatório das declarações do dirigente partidário.

“Nem resulta que tal discriminação seja necessariamente determinada pela cor da pele ou pela condição socio-económica dos visados, embora esses elementos ressaltem de imediato aos olhos dos receptores da mensagem”, acrescentava. “O que é essencial é o carácter ilícito das declarações com referência à fotografia que foi exibida e a ofensa aos direitos de personalidade” dos queixosos. Obrigado logo nessa altura a retractar-se, o Chega recorreu desta decisão - que acabou por ser confirmada em Setembro pelo Tribunal da Relação de Lisboa, cujos juízes concluíram que as ofensas tinham, afinal, uma “vertente discriminatória em função da cor da pele e da situação socioeconómica” dos Coxi. 

O partido publicou o acórdão esta sexta-feira na sua conta do Twitter, acompanhado de uma pequena nota em que “manifesta publicamente, em respeito pelo digníssimo tribunal, a referida retractação pública no que respeita aos factos dados como provados” pela justiça. 

Na nota, lê-se que, tendo em conta a “obrigação de retractação” que consta na sentença do Tribunal de Lisboa, o Chega e Ventura procedem “ao cumprimento de tal injunção manifestando publicamente, em respeito pelo Digníssimo Tribunal, a referida retractação pública no que respeita aos factos dados como provados”. Apesar disso, Ventura e o Chega dizem que se mantêm “discordantes no que respeita ao conteúdo” da decisão e indicam que a publicação da nota “não poderá servir como elemento probatório sob qualquer natureza”. O pedido de desculpas também terá de se divulgado pelo partido nos meios de comunicação social onde foram originalmente divulgadas as “publicações ofensivas dos direitos de personalidade” - SIC, SIC Notícias e TVI -, sob pena de o pagamento de uma multa diária de 750 euros por cada dia de atraso.

Apesar de o Chega ter recorrido desta segunda condenação para o Supremo Tribunal de Justiça, esse recurso não tem efeito suspensivo das obrigações decretadas pelo tribunal, que proibiu ainda Ventura e o seu partido de voltarem a produzir declarações do mesmo teor. Caso o venham a fazer, sujeitam-se a ter de pagar cinco mil euros por cada infracção a esta ordem. Se o Supremo também não lhe der razão, o líder do partido planeia recorrer para o Tribunal Constitucional. Enquanto decorria o julgamento de primeira instância, Ventura afirmou que não estava arrependido e que voltaria a fazer o mesmo. 

Contactada pelo PÚBLICO sobre o teor desta retractação, a advogada da família Coxi remeteu-se ao silêncio.