Fui confrontado com a morte de alguém que me era próximo, e ainda mais próximo de quem me está verdadeiramente perto. A azáfama do dia-a-dia leva-nos a ignorar a inevitabilidade da morte. A morte é remetida para um espaço murado, estranhamente longe dos espaços que alimentam a vida.
Em Portugal, não costumamos celebrar a morte. Choramos, como manda o nosso fado. Chora-se a perda, mesmo que as crenças da vida eterna aleguem que isso é apenas uma passagem. Se temos dificuldade em elogiar os nossos pares em vida, também não o sabemos fazer devidamente na morte. Quando alguém falece, salientam-se as virtudes, ofuscando os defeitos que compõe a complexidade de cada existência humana. Assim tendemos a cobrir os defuntos com um manto de santidade, de pena e de honra. Mas as vidas não foram todas iguais.
As cerimónias tendem para um padrão, uma repetição de um ritual que pouco salienta a individualidade de quem partiu. Pelo menos assim é no culto dominante católico. Mas ainda assim há um ritual. Por mais despersonalizado que seja, sempre gera momentos de reflexão e lembrança. Marca o momento.
Se a justiça é uma invenção puramente humana, e a morte nem sempre se compadece com essas nossas construções. Apenas podemos honrar quem deixa de existir, celebrando quem eram e o que nos legaram. Claro que a tremenda tristeza nem sempre ajuda a fazer isso na prática. Dificilmente os familiares e amigos estão em condições de poder fazer a melhor das homenagens logo após o falecimento. Homenageiam certamente com a sua tristeza, disso não se dúvida. Talvez o funeral, o enterro, espalhamento das cinzas ou outro acto fúnebre tenha de ser isso mesmo, um momento simples e mais ou menos uniformizado. Ainda assim, o luto não é o melhor aliado da criatividade e da clareza de pensamento. Talvez isso tenha de ficar para depois, para fazer ao longo da vida de quem recorda.
A melancolia influencia este meu texto, ainda que me tente soltar dela para reflectir sobre o sentido da celebração da morte. Devem os mortos estar fisicamente longe dos vivos? Devem os cemitérios ser jardins de pedra estéril? São equipamentos públicos agradáveis de visitar? Servem mais para depositar ou honrar os mortos? Não mereciam as pessoas falecidas que alguém conhecesse a sua história? Porque dizem tão pouco as lápides? Sabemos o nome, ano de nascimento e morte. Então e tudo o resto? É um infindável património imaterial que se perde.
Os cemitérios poderiam ser locais de interacção com o passado, proporcionando acesso ao conhecimento e informação. Talvez um dia conseguiremos celebrar a morte como o pináculo do derradeiro festejo da vida que foi e das vidas que ficam. Mas para isso são necessárias mudanças de fundo. Enquanto isso, pondero qual a melhor forma de homenagear aquelas pessoas que merecem mais que um ritual indiferenciado, uma campa ou local de repouso de catálogo. Devemos valorizar o individualismo dos que se destacaram pelo bem que fizeram ao colectivo, mesmo quando foi a simplicidade aquilo que melhor os caracterizou.