O Reino Unido nunca teve a intenção de cumprir o Protocolo da Irlanda, diz antigo conselheiro de Johnson

“Agarrámos a melhor opção disponível, com a intenção de deitar fora as partes de que não gostássemos”, escreveu Dominic Cummings na sua página no Twitter.

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Dominic Cummings alega que o Partido Conservador só aceitou o acordo do "Brexit" para garantir a vitórias nas eleições de 2019 REUTERS/Henry Nicholls

O Governo britânico teve sempre a intenção de abandonar o Protocolo da Irlanda, afirmou esta quarta-feira Dominic Cummings, antigo conselheiro do primeiro-ministro Boris Johnson. A polémica declaração surge no dia em que a União Europeia se prepara para anunciar as novas propostas de alteração ao acordo, numa tentativa de apaziguar as relações com o Reino Unido.

Numa série de tweets, Cummings alega que o Partido Conservador só aceitou o acordo do Brexit para “sair do marasmo eleitoral” e garantir uma vitória clara nas eleições legislativas de 2019.

“Assumimos um partido que estava nos 10%, no meio da pior crise constitucional do século (...) Agarrámos a melhor opção disponível, com a intenção de deitar fora as partes de que não gostássemos depois de arrasar [Jeremy] Corbyn. Foi uma questão de prioridades”, afirmou o antigo conselheiro de Boris Johnson, que abandonou a equipa do primeiro-ministro britânico em Novembro do ano passado.

“Devemos cumprir os acordos? Claro que sim. E às vezes quebrá-los? Claro que sim. Tal como a UE, os EUA, a China e qualquer outro estado fazem”, escreveu Cummings na sua página no Twitter, acrescentando: “A diplomacia internacional não pode ser julgada pelos padrões de um duelo de estudantes, e os advogados são contratados para ajudar, não para serem os mestres”.

A primeira reacção às declarações de Cummings veio de Dublin, onde o vice-primeiro-ministro, Leo Varadkar, que negociou em 2019 o Protocolo da Irlanda com o Reino Unido, afirmou que, a confirmarem-se as alegações do ex-assessor de Johnson, isso só mostra que o Governo britânico não é de confiança.

“Estes comentários são muito alarmantes, porque indicam que o Governo [do Reino Unido] agiu de má-fé”, disse Varadkar, que liderou o executivo irlandês entre 2017 e 2020, citado pelo Guardian. “E esta mensagem precisa de ser ouvida em todo o mundo, porque se o Governo britânico não honra os seus compromissos, não cumpre os tratados que assina, isso deve aplicar-se também a todos os outros”, acrescentou.

As declarações de Cummings aparecem no dia que a União Europeia vai anunciar uma série de propostas de alteração ao Protocolo da Irlanda destinadas a arrefecer a tensão entre os dois lados do Canal da Mancha, que devem incluir a remoção de barreiras alfandegárias à entrada de produtos britânicos na Irlanda do Norte, nomeadamente bens alimentares como a charcutaria, plantas e medicamentos.

O secretário de estado britânico para as questões do “Brexit”, David Frost, disse ontem num discurso em Lisboa que só a introdução de “mudanças significativas” ao acordo que está em vigor poderá “tirar o veneno” das relações entre Londres e Bruxelas.

“O Protocolo da Irlanda do Norte é a maior fonte de desconfiança entre nós”, afirmou Frost, para quem “há um sentimento generalizado no Reino Unido de que a UE tentou usar a Irlanda do Norte para encorajar algumas forças políticas a reverterem o resultado do referendo do ‘Brexit’, ou pelo menos a manter-nos mais alinhados com a UE.”

Um dos principais pontos de discórdia é o papel do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) na supervisão do acordo, que o Reino Unido contesta. Após o discurso de Frost em Lisboa, o vice-primeiro-ministro irlandês descartou por completo a retirada do TJUE do processo. 

“Em última análise, o papel do Tribunal de Justiça da União Europeia é o de tomar decisões sobre as regras do mercado único”, disse Leo Varadkar.

 
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