Governo britânico volta a ameaçar a UE com a suspensão de partes do protocolo irlandês do “Brexit”

Discurso de Frost no congresso do Partido Conservador marcado por críticas à “mão pesada” da UE e exigências de modificações ao sistema regulatório pós-“Brexit” na Irlanda do Norte.

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David Frost, secretário de Estado do "Brexit", discursou no segundo dia do congresso do Partido Conservador, em Manchester TOBY MELVILLE/Reuters

O Governo de Boris Johnson voltou a ameaçar a União Europeia com a suspensão de partes do protocolo irlandês, anexo ao acordo do “Brexit”, caso Bruxelas não apresente alterações “significativas” ao sistema regulatório aplicável à entrada de produtos na Irlanda do Norte vindos do restante território britânico, ratificado pelas duas partes antes de consumada a saída do Reino Unido do clube europeu.

Num discurso para os militantes do Partido Conservador, reunidos em Manchester – desde domingo e até quarta-feira – para o congresso anual dos tories, David Frost, secretário de Estado do “Brexit”, acusou a UE ter “mão pesada” sobre o território norte-irlandês e desafiou os 27 a serem “ambiciosos” na busca de uma solução alternativa ao protocolo.

“Ainda estamos à espera de uma resposta formal da UE (…), mas, por aquilo que oiço, receio que não vamos ter uma resposta que traga as mudanças significativas que precisamos”, lamentou Frost, antes de passar às ameaças.

“Não podemos esperar para sempre. Sem uma solução conjunta brevemente, teremos de agir, usando o mecanismo de salvaguarda do artigo 16.º para respondermos ao impacto que o protocolo está a ter na Irlanda do Norte”, atirou o dirigente tory que também foi responsável pelas negociações sobre a saída britânica da UE.

Ao abandono do Reino Unido da UE somou-se, por opção do Governo de Johnson, a saída do país do mercado único e a união aduaneira da organização. 

Nos termos do protocolo em causa – cujo principal objectivo, quando concebido e ratificado por Londres e Bruxelas, era evitar uma fronteira física entre a Irlanda do Norte (que faz parte do Reino Unido) e a República da Irlanda (Estado-membro da UE), não colocando em causa o Acordo de Sexta-Feira Santa ou de Belfast (1998), que pôs fim a 30 anos de guerra civil entre unionistas e republicanos – a Irlanda do Norte mantém-se alinhada com as regras do mercado único europeu.

Acordou-se, então, a realização de controlos alfandegários aos produtos oriundos do restante território britânico (Inglaterra, Escócia e País de Gales) com destino à Irlanda do Norte. 

Arma de arremesso

O novo sistema regulatório entrou em vigor no início deste ano e, para além de ter causado disrupções no mercado de abastecimento do território, fez regressar alguns dos fantasmas antigos da ilha, levando os partidos e organizações unionistas a lançarem uma enorme campanha de oposição ao protocolo e o Governo britânico a exigir alterações ao tratado que negociou com a UE, por causa dos efeitos negativos da sua implementação.

Downing Street tem anunciado sucessivos adiamentos na implementação dos controlos a determinados produtos, justificando-os com os constrangimentos comerciais e económicos que, garante, não foram previstos e violam os princípios do protocolo. 

A UE diz-se disponível para reavaliar a flexibilização de alguns procedimentos, mas rejeita, porém, renegociar o protocolo como um todo, lembrando que o mesmo foi ratificado pelo Governo e que este ainda nem sequer montou o sistema de controlos aduaneiros previsto no mesmo, entre outras disposições.

O artigo 16.º do protocolo, referido por Frost, permite que qualquer das partes suspenda determinadas disposições do acordo, perante “dificuldades económicas, sociais e ambientais”. O mecanismo foi desenhado para apenas ser utilizado em situações limite, mas está a transformar-se numa arma de arremesso.

“[A invocação do artigo 16.º] poderá ser, em última instância, o único caminho para protegermos o nosso país, a nossa população, o nosso comércio, a nossa integridade territorial, o processo de paz e os benefícios deste grande Reino Unido, do qual todos fazemos parte”, disse o secretário de Estado aos militantes.

David Frost defendeu-se ainda de ter negociado e apoiado a assinatura do protocolo em 2019, argumentando que, mesmo sabendo que “estava a assumir um risco”, entendeu que era um risco que “valia pena, no âmbito do objectivo pela paz e pela protecção do Acordo de Belfast-Sexta-Feira Santa”.

“Desde o início que nos preocupámos com a possibilidade de o protocolo não aguentar se não fosse gerido sensivelmente”, afirmou Frost. “Olhando para a forma como o processo se desenrolou, tínhamos razão”.

O Parlamento Europeu vai debater na terça-feira com Maros Sefcovic – o vice-presidente da Comissão Europeia que representa a UE no comité conjunto que supervisiona a implementação do acordo do “Brexit” – as questões relacionadas com a implementação do protocolo e o estado das relações entre UE e Reino Unido.

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