Empresas com incentivos ilegais na Zona Franca começam a ser notificadas até ao fim do ano

Bruxelas dera oito meses a Portugal para avançar com a recuperação das ajudas, mas processo ainda não terminou. Pelo meio, Lisboa tentou travar essa obrigação.

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Os empregos criados pelas empresas da ZFM têm de ter uma ligação efectiva ao arquipélago da Madeira Andreia Gomes Carvalho

As empresas da Zona Franca da Madeira (ZFM) que receberam incentivos fiscais ilegais superiores a 200 mil euros vão começar a ser notificadas até ao final deste ano para devolverem as ajudas, disse o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes.

Ouvido no Parlamento nesta quarta-feira a pedido do Bloco de Esquerda sobre o relatório de combate à fraude e evasão fiscais, o secretário de Estado Adjunto de João Leão confirmou que o Governo apresentou à Comissão Europeia um plano de recuperação dos auxílios de IRC “dados de forma ilegal”.

Quando, em Dezembro de 2020, Bruxelas concluiu que Portugal aplicou o regime III da zona franca (anterior ao actual) de uma forma ilegal, por contornar duas decisões da Comissão Europeia (de 2007 e 2013) que estabeleciam as condições em que a ZFM podia funcionar, o Estado português ficou obrigado a ir recuperar os benefícios indevidos junto das empresas — daquelas que beneficiaram de uma redução do IRC (para taxas de 3%, 4% e 5%, consoantes os anos) sem cumprir os critérios de criação de postos de trabalho na Região Autónoma da Madeira e sem que os rendimentos alvo do benefício do IRC tivessem uma ligação “a uma actividade efectiva e materialmente executada” no arquipélago.

Bruxelas deu oito meses a Portugal para executar a decisão a recuperação, mas o processo está a demorar mais do que o período indicado pela Comissão.

Ao mesmo tempo em que dá esse passo, o Estado português está, em sentido oposto, a tentar fazer cair a decisão que o obriga a avançar com os pedidos de devolução. Em Fevereiro, quando já tinham começado a contar esses oito meses, Portugal colocou uma acção no Tribunal Geral da União Europeia (UE) para anular a decisão da Comissão Europeia de Dezembro de 2020. E, além desse processo principal, apresentou uma espécie de pedido cautelar para — até haver uma sentença nesse diferendo — se suspender o processo de devolução das ajudas ilegais, mas perdeu esse recurso. Lisboa argumentava, entre outras razões apresentadas, que a devolução iria causar um prejuízo “grave e irreparável” ao país durante a pandemia.

O presidente do Tribunal Geral, Marc van der Woude, considerou que o Estado português não conseguiu demonstrar esse risco iminente, não tendo apresentado provas de que o processo iria levar à “cessação da actividade de todas ou da maioria das sociedades actualmente instaladas” na ZFM.

A empresa Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM), concessionária pública da zona franca, destaca no seu site o facto de, em 2020, “num ano em que se verificou uma quebra exponencial da receita fiscal do tecido empresarial” na Madeira, o centro de negócios ter conseguido “aumentar o seu contributo em termos percentuais e absolutos” para a receita regional, ao representar 108,1 milhões de euros, sendo que a cobrança de IRC, de 54,5 milhões, representa “mais de 70% das receitas de IRC geradas na região”.

A decisão final da Comissão é do final de 2020, mas o processo que lhe está subjacente é conhecido desde Julho de 2018, quando se iniciou uma investigação aprofundada cuja conclusão preliminar — no sentido da ilegalidade — já apontava para o cenário de algumas empresas serem chamadas a devolver as ajudas indevidas (porque a decisão preliminar de 2018 foi confirmada em 2020).

Depois dos dois anos de investigação aprofundada, que se seguiram a três anos de monitorização, Bruxelas concluiu que houve benefícios concedidos por Portugal com base em postos de trabalho que, embora estivesse fora da Madeira e da União Europeia, foram contabilizados como se estivessem no arquipélago. Foram contabilizadas as mesmas pessoas como trabalhadores em várias empresas, o que fez empolar o número de empregos criados. Alguns trabalhadores foram contabilizados como se estivessem a tempo inteiro embora fossem trabalhadores a tempo parcial.

Entretanto, para o regime fiscal actualmente em vigor, o Parlamento aprovou este ano novas regras para a atribuição dos incentivos, clarificando que as empresas licenciadas na zona franca até 2027 só podem beneficiar do IRC de 5% sobre os lucros gerados na região e só são elegíveis os empregos criados na Madeira.

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