O conjuntural e o estrutural do Orçamento para a Educação

Esta forma pouco clara de distribuir recursos reflete-se na alocação dos 900 milhões de euros inscritos no plano de recuperação de aprendizagens 21/23. O plano original não diz, e continuamos sem saber, como vão ser distribuídos estes recursos pelas escolas e alunos.

O Orçamento de 2022 destinado à Educação chega no que se espera ser o primeiro ano letivo sem soluços em três anos. Com um programa de recuperação de aprendizagens no horizonte e um corpo docente em rápida transformação, importa reter alguns pontos sobre aquilo que é conjuntural e estrutural na despesa no nosso sistema de ensino público:

1. Os dados do OE 2022 apontam para uma despesa total no ensino básico e secundário em 2021 de 7.165 milhões de euros, acima do inicialmente orçamentado em cerca de 140 milhões de euros. Este valor está previsto crescer em 2022 para os 7.805 milhões de euros

2. Um dos factos relevantes deste Orçamento é a queda prevista em 2022 das despesas com pessoal em 1,5% que, a acontecer, seria a primeira desde 2015 e colocaria o peso das despesas nesta rubrica abaixo dos 70% do total do orçamento.

Esta variação pode refletir o efeito de diversos fatores de impacto contrário. Por um lado, a queda do número de alunos, mas sobretudo a aceleração das aposentações de professores mais velhos — logo com salários mais altos — podem justificar esta variação negativa.

Acresce que parte das despesas com pessoal surgem agora nas transferências para as autarquias, que ficam responsáveis pelo pagamento dos salários de pessoal não docente. Porém, o reforço de recursos humanos no âmbito do programa de recuperação de aprendizagens ou a necessidade de novos recrutamentos puxariam esta rubrica no sentido inverso;

3. No âmbito da execução do PRR e das medidas da Escola Digital está previsto um forte crescimento nas despesas de capital, que deverão saltar de 300 para 480 milhões de euros. Segundo dados do PISA 2018, apenas 47,5% dos alunos portugueses frequentavam escolas cujos diretores afirmavam que os recursos digitais com ligação à internet eram suficientes. A média da OCDE era de 67,2%. Esperemos que, com estas novas medidas, Portugal caminhe para uma convergência com os restantes países da OCDE;

4. Para lá da conjuntura do OE 2022, preocupa-me a (ausência de) critério na distribuição dos recursos do Ministério entre as escolas. Em 2018, um relatório da OCDE sobre Portugal da autoria de David Liebowitz, Pablo González, Edith Hooge e Gonçalo Lima, mostrava que o montante alocado a cada escola é determinado essencialmente pelo histórico do ano anterior, pelo número de alunos inscritos e número de professores, sendo a grande maioria destas transferências absorvida em despesas fixas com pessoal.

O problema é que, como aponta o próprio relatório, a aplicação desta fórmula não é totalmente transparente, tornando difícil explicar as discrepâncias nas dotações entre diferentes escolas. Esta forma de distribuir recursos é desajustada às evoluções recentes do sistema e do que é prática comum em vários sistemas educativos da OCDE.

Desde logo pelo crescente número de alunos com necessidades educativas especiais. No último ano letivo para qual existem dados, 2017/2018, existiam 80 mil alunos nesta condição. Cinco anos antes eram 60 mil. Ou seja, estas fórmulas não incorporam, à cabeça, a realidade social e pedagógica em que as escolas estão inseridas.

Tal compensação só é feita através de programas separados de promoção da equidade. Entre estes, contam-se programas como as escolas TEIP (Programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária) ou o PNPSE (Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar), cujos, por vezes, escassos recursos adicionais dependem de candidaturas por parte das escolas que nem sempre são expeditas na sua execução, até pela sua dependência de fundos europeus;

5. Esta forma pouco clara de distribuir recursos reflete-se na alocação dos 900 milhões de euros inscritos no plano de recuperação de aprendizagens 21/23. O plano original não diz, e continuamos sem saber, como vão ser distribuídos estes recursos pelas escolas e alunos que mais foram afetados pelo encerramento das escolas;

6. Estes anos de pandemia trouxeram várias promessas de recuperação dos alunos. Por exemplo, já no Orçamento de Estado de 2021 se prometiam mais 3300 professores para recuperação de aprendizagens e 900 técnicos de intervenção, como psicólogos e assistentes sociais. Sendo estes bons princípios, a questão é que não temos como aferi-los, dado que o site do IGeFE (Instituto de Gestão Financeira da Educação) entrou numa estranha hibernação e a última execução orçamental que reporta é de 2018… sim, leu bem, de 2018.

Acontece que pelo meio houve uma pandemia, com encerramento de escolas e danos na aprendizagem e consequentes promessas e planos de recuperação. Como democracia adulta, o reporte do dinheiro público gasto em Educação deve ser bem mais completo que a pouca informação que temos para os anos de 2019 e 2020.

7. No meio desta falta de dados, o Ministro da Educação anunciou recentemente que cada aluno no ensino público custa hoje cerca de 6.200 euros. O anúncio foi feito com pouca informação acerca das hipóteses ou dados usados para este cálculo, dando azo às mais variadas extrapolações. No debate do orçamento na especialidade espero que tenhamos oportunidade de receber esta informação, sob pena de se tornar difícil aferir orçamentalmente medidas como aquelas que constam do plano de recuperação de aprendizagens.

O autor escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico

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