Um Só Dia, que serão mais, para celebrar a poesia e as canções de Manuel Alegre
Estreia-se este 5 de Outubro no São Luiz, em Lisboa, um espectáculo imaginado por Joana Alegre para celebrar os 85 anos do pai. Com direcção musical de André Santos e as vozes de (além de Joana) Jorge Palma, Camané, Cristina Branco, Ana Bacalhau e Agir. E, em mensagens gravadas, as de Maria Bethânia e Carlão.
Estava pensado como uma grande celebração no dia 12 de Maio, quando o poeta Manuel Alegre completou 85 anos. Mas o confinamento obrigou a adiá-la. Concretiza-se agora, num concerto-homenagem no Teatro São Luiz, em Lisboa, no dia 5 de Outubro (20h) e já está marcado outro para Águeda, terra natal de Manuel Alegre, no dia 3 de Dezembro. O espectáculo, intitulado Um Só Dia, começou a ser pensado no primeiro semestre de 2020 e, a partir de uma ideia de Joana Alegre (cantora e filha do poeta), foi-se materializando numa revisitação da poesia de Manuel Alegre e das canções dela nascidas, com novos arranjos e novas vozes. No concerto de Lisboa, com direcção musical de André Santos, estarão Joana Alegre, Jorge Palma, Camané, Cristina Branco, Ana Bacalhau e Agir. No de Águeda, que decorrerá no Centro de Artes, participa também Maria Ana Bobone. Com vozes gravadas, participarão Carlão e Maria Bethânia, que numa apresentação ao vivo de Assombrações, canção que abria o disco Rosa dos Ventos (1971), juntou-lhe o poema de Manuel Alegre Senhora das Tempestades (no espectáculo Diamante Verdadeiro, 1999).
Canções antigas, vida nova
Cantado por Adriano Correia de Oliveira, Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, Francisco Fanhais, José Afonso, Luís Cília, Manuel Freire, Camané ou Maria Bethânia, ou tendo a sua poesia gravada por si próprio (num disco com Carlos Paredes) ou por Mário Viegas, Manuel Alegre verá agora várias das suas canções ganharem nova vida. Para isso, Joana Alegre quis ir reouvir as versões antigas, que sempre a acompanharam, como ele diz agora ao PÚBLICO: “Fui revisitar todos esses temas, a partir do momento em que esta ideia começou a consolidar-se, porque convivi muito com isso, na minha infância e durante o meu crescimento. Mas há aqui uma espécie de lapso temporal, em que não se tem ouvido mais, porque as coisas também têm um lado mais datado, porque ficam com a estética do tempo em que surgiram. E daí também esta vontade de pedir ao André Santos, com quem tenho estado a trabalhar desde o primeiro confinamento, que pensasse em arranjos musicais mais à luz dos nossos dias, para dar nova vida a estas canções.”
E haverá também canções novas, que Joana quis criar a partir de poemas não musicados: Poema arma, Cavalos brancos, Canção com lágrimas palavras armas (do Canto VII de O Canto e as Armas, 1967), Lisboa ainda (escrito em Março de 2020, feito canção por Joana e lançado como “composição colectiva” durante o confinamento) e Um só dia, composta a partir do poema que dá título à homenagem, Trova do mês de Abril (“Foram dias foram anos a esperar por um só dia./ Alegrias. Desenganos. Foi o tempo que doía/ Com seus riscos e seus danos. Foi a noite e foi o dia/ Na esperança de um só dia”).
Maio de 2020, o início de tudo
Mas tudo isto teve início com o confinamento decretado pela pandemia, que suscitou a Manuel Alegre um poema chamado Lisboa Ainda. Publicou-o no seu Facebook no dia 20 de Março de 2020, às 15h07, e no dia seguinte já somava 6500 partilhas, 1800 reacções (gostos, etc.) e 163 comentários, alcançando 405.462 pessoas, segundo disse na altura ao PÚBLICO Rui Breda, da Dom Quixote/Leya, onde Manuel Alegre edita a sua obra.
“O meu pai escreveu esse poema numa altura em que eu, como todos os portugueses, não podia estar com os meus pais, estávamos cada qual no seu confinamento. Eu sempre tive esta ligação à poesia do meu pai, de musicar coisas dele, mas que nunca tinham vindo a público. Mas nessa urgência da partilha, fiz uma melodia a partir desse poema. Mas não me apeteceu harmonizá-lo sozinha.” Lançou então um apelo aos músicos, pelas redes sociais, para que quem estivesse interessado, se lhe juntasse. André Santos, guitarrista, foi o primeiro a responder ao apelo e recorda ao PÚBLICO esse momento: “Peguei na minha guitarra, gravei, a Joana gostou muito, sei que o Manuel Alegre também gostou muito e de repente surgiu a canção Lisboa Ainda, na voz da Joana, com o contrabaixo do António Quintino e o violino da Ravena Carvalho.”
André, que nunca tinha trabalhado com Joana, acabou por ser convidado por ela para fazer os arranjos de um espectáculo que teria por objectivo celebrar os 85 anos de Manuel Alegre. Ela enviou-lhe poemas, foram escolhendo. “Começámos a fazer a selecção dos que serviriam aos convidados. Alguns, eram inevitáveis: o Camané já tinha gravado o Quatro facas.” Dentro do naipe de instrumentos escolhidos (violino, contrabaixo, piano, guitarra e bateria), André quis ir variando. “Nuns temas tocamos todos, noutros apenas dois ou três. Eu toco, por exemplo, em duo com o Agir, Uma flor de verde pinho; noutros há só guitarra, contrabaixo e voz, caso do Camané. Imaginei o espectáculo num todo, com vários tipos de instrumentação.”
Poesia dita, poesia cantada
A ideia, diz Joana Alegre, “é ao longo do espectáculo ir estabelecendo a ligação da poesia à música, a poesia dita e a poesia cantada.” Além dos cantores, os instrumentistas são Romeu Tristão no contrabaixo, Joel Silva na bateria, Vicente Palma no piano, Emiliana Silva no violino e o próprio André Santos, que tocará guitarra e outros cordofones.
“O meu grande desafio como director musical deste projecto”, diz André, “foi o de criar arranjos que formassem um fio condutor musical, para que o espectáculo fizesse sentido no seu todo. Imaginar o espectáculo e re-imaginar estas canções deu-me um gozo muito grande e foi de fácil execução, graças à super banda que concretizou as minhas ideias, ainda melhor do que eu as imaginei” (e que são os músicos que estarão em palco). Do ponto de vista da recriação das canções, André afirma que quis sobretudo enaltecê-las: “Pensei em arranjos com várias texturas e instrumentações, sempre com o intuito de enaltecer a canção e procurando não cair na tentação de acrescentar coisas a mais”.
O espectáculo vai ser gravado, para posterior difusão, pela Antena Um e pela RTP, podendo ainda dar origem a um disco, depois de rodar noutros palcos e até com outros músicos. “A ideia deste projecto é que ganhe vida própria, uma dinâmica sua, que possa repercutir-se em mais salas, com convidados diferentes”, diz Joana. “E que possa, no fim, culminar numa edição. Não sabemos ainda exactamente o formato, mas gostávamos muito de concluir o projecto com uma edição gravada destas novas versões.”