Activistas alemães fingiram distribuir panfletos eleitorais de partido de extrema-direita
Pelo menos um milhão de panfletos do partido nacionalista Alternativa para a Alemanha (AfD) não chegaram às mãos dos eleitores. Colectivo de arte Center for Political Beauty criou empresa de distribuição falsa para desviar os folhetos antes das eleições.
Activistas alemães fingiram ter uma empresa de distribuição e conseguiram estabelecer um acordo com o partido nacionalista Alternativa para a Alemanha (AfD) para distribuir milhões de panfletos eleitorais. Mas, dois dias antes de as urnas abrirem na Alemanha, uma grande parte dos panfletos foi devolvida e entregue nos escritórios do partido.
“Confiável, pontual e barato”: foi assim que a suposta empresa de distribuição, chamada Flyerservice Hahn, promoveu o seu serviço de entregas junto da AfD, que a encarregou de distribuir camiões de panfletos antes das eleições. Segundo o jornal The Washington Post, o website da empresa parecia tão real quanto o perfil no LinkedIn do seu suposto director. Os panfletos eleitorais acabaram por não chegar às mãos dos eleitores e as pilhas foram devolvidas ao remetente.
Os activistas que organizaram o esquema revelaram a sua identidade, protestando contra as políticas de extrema-direita defendidas pelo partido. O colectivo de arte com sede em Berlim, intitulado Center for Political Beauty (“Centro para a Beleza Política”, numa tradução livre), tem na mira políticos que alimentam a retórica contra os refugiados ou desvalorizam o Holocausto e assumiu, na terça-feira, que se fez passar por um serviço de entregas e que entrou em contacto com a AfD com vista a uma colaboração.
A empresa falsa — que os activistas agora descrevem como “o líder do mercado mundial na não-distribuição de panfletos nazis” — recebeu encomendas “no valor de milhões” para distribuir os folhetos e recolheu aquilo que diz ser “72 toneladas de lixo da AfD”.
O partido conseguiu eleger deputados para o Parlamento alemão (Bundestag) pela primeira vez há quatro anos, defendendo uma retórica anti-imigração e com o apoio dos nacionalistas que criticaram a decisão de Merkel, em 2015, de abrir as fronteiras a mais de um milhão de refugiados, entre os quais sírios, iraquianos e afegãos. Na campanha para as eleições federais de 26 de Setembro, o partido prometeu lutar contra as regras impostas para travar a pandemia da covid-19.
Um porta-voz da AfD disse à agência de notícias alemã Deutsche Presse-Agentur que não foi ainda averiguado o prejuízo total, mas o partido revelou que pelo menos um milhão de panfletos não chegaram às mãos dos eleitores. Já o colectivo Center for Political Beauty fala em cinco milhões de panfletos desviados.
Ao jornal The Washington Post, um representante da AfD confirmou que o partido vai apresentar uma queixa criminal às autoridades. “Na verdade, não se pode falar em ‘acção artística’”, disse.
Dias antes das eleições, o partido classificou o esquema como uma “operação fraudulenta”. “Os panfletos agora são inúteis para a nossa campanha”, disse o membro da direcção do partido Tino Chrupalla, em comunicado citado pela agência Reuters. “Este era precisamente o objectivo daqueles por trás desta operação. Eles estão a tentar prejudicar intencionalmente a AfD nas eleições”, acrescentou.
Perante uma possível batalha legal com a AfD, os activistas já conseguiram angariar 100 mil euros através de uma campanha de crowdfunding. Os fundos, garantem, servirão para ajudar a reciclar os panfletos que reuniram e para defender a “liberdade artística”. Os apoiantes que fizerem donativos poderão receber isqueiros e T-shirts com o logótipo da empresa que não existe.
“Queríamos apenas manter o lixo fora da campanha eleitoral”, explicou ao The Washington Post Thilda Rosenfeld, membro do colectivo, garantindo que as partes não chegaram a assinar nenhum contrato.
A activista disse ainda que, no início, apenas estavam a tentar colocar “uma ideia” em prática. “Quando começou a funcionar, ficamos surpreendidos porque a AfD escolheu-nos várias vezes”, acrescentou.
Nas eleições de domingo na Alemanha, o Partido Social-Democrata (SPD) venceu por uma pequena margem, com 25,7% dos votos segundo os resultados preliminares, e a CDU/CSU caiu para 24,1%, o pior resultado da sua história. As negociações para o novo executivo prosseguem, com Scholz a garantir que é o seu partido que deve liderar o próximo governo. O candidato democrata-cristão, Armin Laschet, defende, por sua vez, que o seu partido tinha um mandato eleitoral para formar governo, apelando a verdes e a liberais para negociar consigo. No entanto, nem todos na CDU/CSU concordam e há quem peça que o chefe do partido conceda a derrota.
Já o partido nacionalista AfD desceu de terceira maior força parlamentar (e a maior da oposição) para quinta força a nível nacional, embora tenha sido a mais votada nos estados federados da Turíngia e da Saxónia, no Leste (antiga RDA).