A memória do gelo tem uma história para contar

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Nos glaciares alpinos do maciço de Monte Rosa, na fronteira entre a Itália e a Suíça, há cientistas e investigadores de todo o mundo a recolher amostras do gelo profundo, testemunhas da história climática, da atmosfera e do ADN dos últimos dois mil anos de História. É uma corrida contra o tempo. À medida de que o aquecimento global avança, arquivam-se núcleos de gelo e a história que eles contam sobre os ciclos climáticos. E, em alguns casos, já é tarde demais.

Quase todas os glaciares do mundo estão a perder massa. No relatório climático mais abrangente até ao momento, publicado em Agosto, a ONU concluiu "que a influência humana é muito provavelmente o principal impulsionador do recuo quase universal dos glaciares em todo o mundo desde a década de 1990". Sem uma acção imediata e em larga escala, a temperatura média global atingirá ou excederá 1,5 graus Celsius acima da média da temperatura pré-industrial em 20 anos, alertou a organização. Se um glaciar está a derreter e não a acumula neve, significa que também não está a capturar gases atmosféricos de hoje para os cientistas estudarem no futuro.

O cientista climático italiano Carlo Barbante, membro da expedição nos Alpes, revelou que a velocidade a que o gelo do maciço alpino derreteu nos últimos anos foi "muito maior do que antes". Encontrar os núcleos húmidos foi um "choque completo", disse ele. Isso levou Barbante e outros cientistas a acelerarar os planos para extrair um núcleo do glaciar Colle Gnifetti no cume do Monte Rosa dos Alpes, algumas centenas de metros mais alto que a montanha Grand Combin. 

“Planeamos obter muitas informações desses núcleos de gelo sobre a composição da atmosfera no passado, a temperatura do passado. E se analisarmos da perspectiva certa, com o que está a acontecer hoje é cada vez mais importante olhar para o passado. Portanto, queremos olhar para o que aconteceu há anos, décadas e séculos atrás para ver o que está a acontecer hoje", explicou à Reuters o cientista italiano. 

Lonnie Thompson, paleoclimatologista e professor na Universidade de Ohio

Lonnie Thompson, paleoclimatologista e professor na Universidade de Ohio (na fotografia acima junto ao arquivo do Byrd Polar and Climate Research Center), é um dos investigadores desta expedição. "Os glaciares e núcleos de gelo são provavelmente um dos melhores arquivos do nosso passado porque eles registam não apenas a história do clima, coisas como a temperatura dos isótopos estáveis que compõem a água do gelo, mas também a precipitação que podemos ver no nas partes superiores desses núcleos, podemos ver as camadas anuais para que possamos reconstruir a história da precipitação. Existem muito poucos arquivos que podem fazer isso", explicou. 

O investigador norte-americano alertou para a necessidade de se reforçar este arquivo rapidamente, face à velocidade do degelo. "Todos contam a mesma história: que o clima está a mudar e a mudar muito rapidamente. E os glaciares provavelmente podem contar essa história melhor do que qualquer outra coisa porque não têm agenda política. Estão apenas a resumir o que está a acontecer no seu ambiente e a respondera isso. E qualquer um pode ver isso."