Já podemos voltar às nossas Birras?
Em Setembro é preciso escolher entre: “Mães que ficam radiantes que os filhos vão para a escola” vs. “Mães que choram dias a fio porque não aguentam deixá-los”.
Querida Ana,
Já estão todos na escola? Já podemos voltar às nossas Birras?
Please, please, diz que sim, porque estou ansiosa por conversar contigo por escrito, que é a nossa forma favorita de conversa.
Sei que não vão ser fáceis estas primeiras semanas de escolas novas para os mais pequeninos e que agora com três “poisos” diferentes, vais sentir-te mais condutora da carrinha da escola do que outra coisa, mas esfrego as mãos de contente pelas histórias que estas experiências te vão dar. Conta-me tudo.
Aqui do meu lado, confesso que não te invejo. Odeio acordar cedo, e odeio acordar e vestir crianças para as mandar para a escola. Tenho acordado a dar graças pela sorte de não me ver obrigada a preparar almoços às 7 da manhã — sou alérgica a termos! —, e a celebrar o facto de ser avó, e não mãe. Mas para atenuar a minha culpa de ficar de braços cruzados, envio-te uma lista de conselhos destinados a facilitar-te a vida.
Ups, já estou a ver os teus olhos verdes a faiscar, por isso deixo só dois.
- Pede-me ajuda quando precisares. Prometo que se não me der jeito ou não conseguir, digo.
- Compra meias iguais. Toneladas de meias iguaizinhas, para que se possam ir juntando, mesmo quando algumas fugirem para a Terra das Meias Desemparelhadas, paredes-meias com a Terra do Nunca. Acredita que todas as manhãs vais agradecer a decisão.
Dá-me notícias.
Querida Mãe!
Tenho uma boa notícia! Já não tenho uma “alergia adolescente” aos seus conselhos. Acho-os óptimos e vou segui-los. Mas, em relação às meias... isto põe-me uma questão filosófica e ética: se comprar meias iguais e assumir que todas podem ser pares de todas, estarei a desistir do conceito de uma alma gémea? Terei desistido da ideia de que há um amor especial para cada um? É que se é verdade que me dói o coração quando perco uma, nada substitui a alegria de as reunir passado sete ou oito máquinas. Sim, algumas ficam perdidas para sempre, mas não será esse o preço de arriscar amar?
Se acha, como o meu marido, que estou a investir tempo a mais neste assunto, deixe-me justificar-me pelo facto de ter uma filha que vai mudar de escola e para o 1.º ano. A ansiedade bate e como já bem sabe vai buscar os temas que consegue!
Estou um bocadinho farta da necessidade das redes sociais polarizarem sempre as coisas. Em Setembro é preciso escolher entre: “Mães que ficam radiantes que os filhos vão para a escola” vs. “Mães que choram dias a fio porque não aguentam deixá-los”. Proponho a equipa do “Hoje sinto-me assim, amanhã logo se vê!”, não lhe parece? É que repare no meu horário de emoções:
- Entre as 7h e as 9 h da manhã, odeio a ideia de irem para a escola, sou 100% a favor do unschooling e de vivermos num campo onde possam apanhar frutas das árvores e comer bagas para não ter que preparar almoços.
- Às 11 h sou a maior fã da escola, acho que é essencial para todos os miúdos, e começo a ver os benefícios dos colégios internos.
- Pela 13h, agradeço de todo o coração as cantinas e pelo facto de estar a almoçar sem ninguém me interromper.
- Entre as 15h e as 17h, morro de saudades deles e acho que é uma estupidez não estarmos sempre juntos.
- Pelas 18h, tenho raiva às actividades extracurriculares e barafusto contra a obsessão da nossa sociedade em ter os miúdos ocupados e “preparados para serem os melhores” em artes marciais ou no hóquei.
- Pelas 19h, odeio a escola de novo, e suspiro pelos fins de tarde de Verão em que dar banho aos miúdos era mandá-los dar um mergulho numa piscina depois da praia.
- Pelas 21h, odeio tudo e todos e por isso vou dormir.
No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.
As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990