Domenico Lancellotti apresenta Raio: “Estar no palco é sagrado, porque é curativo”
Este domingo no Porto e segunda-feira em Lisboa, o cantor e compositor brasileiro Domenico Lancellotti apresenta ao vivo o seu mais recente álbum, Raio. Na Casa da Música, às 20h30, e no Teatro Maria Matos, às 21h.
Chega finalmente a palco o mais recente e celebrado álbum de Domenico Lancellotti, gravado entre o Brasil, onde nasceu (no Rio de Janeiro, em 12 de Novembro de 1972) e Portugal, para onde se mudou depois de Bolsonaro ter ganho as eleições. O espectáculo de apresentação de Raio esteve marcado para Julho, mas foi adiado para este domingo, na Casa da Música (Porto, 20h30), seguindo-se o Maria Matos (Lisboa, dia 6, 21h).
Em Março, por ocasião do lançamento do novo álbum de Domenico, Vítor Belanciano (que o entrevistou para o PÚBLICO) classificava no Ípsilon Raio como um “magnífico álbum onde [o seu autor] parte das raízes da música popular brasileira para compor canções onde subtis elementos electrónicos e motivos percussivos (Domenico é multi-instrumentista mas é conhecido essencialmente como baterista e percussionista) rodeiam a voz e o som do violão, retratando sentimentos de reconstrução, renascimento e conexão que ele diz serem essenciais num tempo de grandes impasses.”
O disco Raio estará na base dos actuais espectáculos, embora Domenico diga agora ao PÚBLICO que não tenciona restringir-se a ele. “Não vou tocar o disco na íntegra, porque acho interessante relacionar o momento actual com coisas que já foram feitas. Então, vai ter alguma coisa dos outros discos e também algo do samba tradicional do Rio de Janeiro, mas com uma outra abordagem, electrónica, MPC.” Com Domenico Lancellotti (guitarra, MPC, voz), estarão na Casa da Música e no Maria Matos João Erbetta (guitarra, voz), Cláudio Andrade (teclados, voz), Sami Tarik (bateria, percussão) e Ricardo Dias Gomes (baixo, voz). Quanto a canções de Raio, haverá pelo menos seis: “Vai a serpente, Confusão, Snake way, Onda do mar, Newspaper e Vinho velho, essas vão estar, com certeza. As outras, a gente vai ainda ver como vai ser o arranjo. No palco há sempre uma recriação do que aconteceu no estúdio, mas tem umas canções que se baseiam muito no sopro e aí vamos ter de ver como é que soa. É o caso de Dynamo.”
Antes de Raio, Domenico lançara a solo dois outros álbuns: Cine Privê, em 2011, e Serra dos Órgãos, em 2017. Mas é com um disco anterior que ele compara o mais recente: “Esse disco se comunica muito com o meu primeiro, aquele que eu fiz com o [Alexandre] Kassin e o Moreno [Veloso], o Sincerely Hot, assinado Domenico+2. Era uma vivência de banda, de estar tocando junto, onde todo o mundo é co-criador. Mas ali também eu comecei a compor sozinho, em casa. De repente vinha uma ideia, uma coisa no violão… Os meus outros discos foram mais baseados nessas músicas. E este [Raio, 2021], não sei porquê, me faz lembrar aquelas músicas de grupo que a gente fazia, um tocando bateria, outro no baixo, desenvolvendo uma melodia…” Há um motivo para esta comparação: “Porque algumas dessas faixas eu fiz para uma instalação de arte, eram instrumentais, e entraram no disco com uma ideia de letra. Por isso, vou tocar algumas músicas do primeiro disco para fazer essa relação, essa ponte.”
Uma doença e uma esperança
Quando Raio foi lançado, Domenico dizia que mal tinha tido hipótese de trabalhar com músicos ou projectos em Portugal, porque chegara pouco antes da pandemia. Mas nestes últimos meses, diz, “alguma coisa mudou”: “Fiz uma trilha para uma peça, uma tournée na Polónia com músicos locais, colaborei com a Márcia no disco dela, fiz uma apresentação de um outro projecto que eu tenho com o meu irmão no Samambaia Bar.”
Já a covid-19 continua a ser, para ele, um pesadelo quando pensa na situação do Brasil, que já soma, desde o início da pandemia e até meados de Agosto, mais de 20 milhões de infectados e mais de meio milhão de mortes. “Aquilo ali é uma máquina de morte e isso faz parte do projecto político. É a inversão total de todos os valores, uma doença. Mas as doenças também trazem a possibilidade de enxergar o que está errado. Por isso a minha esperança é que as pessoas tenham consciência da doença social que existe, que é antiga, vem desde a fundação daquele país, e de uma vez por todas resolvam isso.”
Vai subir agora aos palcos “com uma alegria danada e um sentimento de superação”: “Porque a gente foi lá no fundo do poço, sem perspectiva, com a doença, a preocupação e tudo o mais. É um arroubo de alegria, estar no palco: e é sagrado para a gente, porque é curativo. Se você não vai para o palco, não vai tocar, não encontra as pessoas, você vai ficando doente. O palco é um lugar onde tem a troca de tudo: a arte, a energia.”