Açores
De mãos na terra, elas são as “invisíveis máquinas de trabalho” da Terceira
Lisandra, Beatriz, Virgínia, Verónica, Denise, Nélia, Isilda e Urselina. São mulheres, têm entre 21 e 80 anos, vivem na ilha Terceira, nos Açores, e são, nas palavras do fotógrafo Rui Caria, “Mulheres da Terra”. Faça sol ou chuva, saem diariamente de casa ainda de noite e dirigem-se para o campo, onde ordenham as vacas e tratam dos pastos, descreve o fotógrafo na sinopse do projecto que se encontra em exposição na Leica Gallery, no Porto.
Durante um mês, entre Junho e Julho de 2021, Rui Caria visitou as oito mulheres no local de trabalho e acompanhou as suas rotinas. “Este é um trabalho bastante violento que requer total dedicação”, explica o fotógrafo ao P3, em entrevista. “Todos os dias, 365 por ano, elas cuidam dos animais. Não têm direito a folgas, fins-de-semana, não param no dia de Natal, na passagem de ano, no Carnaval. Não têm descanso.” E se ficarem doentes, acrescenta, têm dificuldade em encontrar quem as substitua. “Elas têm capacidade financeira para pagar a um substituto, mas quase ninguém quer fazer este tipo de trabalho e há poucos profissionais que consigam fazê-lo bem.”
Estas mulheres são “máquinas de trabalho”, afirma o fotógrafo, em tom elogioso. “Existe, nesta profissão, uma certa privação de normalidade como a conhecemos. O trabalho e a vida fundem-se num só.” Por decorrer sobretudo longe de olhar externo, no centro da ilha, longe de áreas urbanas, é também um trabalho invisível. E raramente feito por mulheres. “Acho que, em centenas de homens nesta profissão, devem existir na ilha inteira não mais do que 20 mulheres a dedicar-se ao cuidado das vacas e dos pastos”, arrisca o fotógrafo. Ao contactá-las, muitas recusaram ser retratadas simplesmente por acharem que ninguém se interessaria pelo tema, pelas suas vidas. E essa modéstia parece estender-se a outros “campos”. Em muitos casos, refere Caria, elas dizem, modestamente, que se limitam “a ajudar a família ou os maridos” nas lides do campo, mas aquilo que o fotógrafo viu no terreno destoa grandemente dessa descrição. “Na prática, elas fazem a maior parte do trabalho. São eles, os homens, que as ajudam a elas, são elas quem faz o grosso das tarefas. Quando observas com atenção, percebes que ele foi abrir a cancela e que ela foi fazer o trabalho todo.” Muitas assumem mesmo o comando dos negócios, comprando mais animais, adquirindo mais terrenos, mantendo a percepção de que não estão na liderança, refere.
Força, tenacidade, perseverança, resiliência são características comuns a todas as mulheres que retratou. “Uma história, em particular, impressionou-me, fez-me pensar”, refere o fotógrafo. “A dona Isilda, de 62 anos, além de trabalhar na lavoura desde as 5 da manhã, limpa uma casa por dia, todos os dias, e só descansa ao fim-de-semana.” Foi o seu desprendimento do prazer que mais impressionou Caria. “Trabalhar, trabalhar, trabalhar. Deita-se de noite, acorda de noite, calça as galochas para ir para a lama quando está a chover. Eu pergunto-me: como é que se consegue motivação para continuar?”
Acompanhá-las foi um desafio para o fotógrafo também pela dureza das suas condições de trabalho. “São mulheres destemidas. A Virgínia, de 21 anos, por exemplo, fez o parto de uma vaca sozinha. Pegou numa manivela e retirou o bezerro. A Lisandra, de 22, faz bolos para festas e cuida das vacas. No meio de tudo isto há sempre um animal que salta e se perde ou algum que adoece.” A exposição do projecto As Mulheres da Terra pode ser visitada até 30 de Outubro.