Museu do Cante inaugurado em Serpa

A Casa do Cante, agora enriquecida com um centro interpretativo, vai dar origem ao novo museu, que abre este sábado para convidados

Foto
MIGUEL MANSO

A criação de um centro interpretativo, que se junta a outras valências já existentes, vai dar origem ao Museu do Cante em Serpa, no distrito de Beja, que será inaugurado este sábado, anunciou o autarca local, Tomé Pires.

O novo espaço, dedicado exclusivamente ao cante alentejano, surge na sequência da já existente Casa do Cante, que possui o Centro Documental Manuel Dias Nunes, uma galeria de exposições e um auditório, aos quais soma agora um novo centro interpretativo.

O presidente da Câmara de Serpa, Tomé Pires, explicou à agência Lusa que o museu “nasce” em “dois imóveis adjacentes” à Casa do Cante, que foram adquiridos pela autarquia e dotados de “um inovador espaço expositivo e interactivo”.

A missão do novo centro interpretativo, diz, “é dar a conhecer o cante a todos” e, nesse sentido, o conteúdo do museu vai ser apresentado “de forma menos académica e de mais fácil acesso”, prosseguiu o autarca, adiantando que haverá à disposição dos visitantes “muita informação em suporte físico e muito mais em suporte digital”.

Além de “uma linha do tempo com momentos marcantes do cante desde o seu nascimento até hoje”, o novo Museu do Cante tem também algumas componentes interactivas, com destaque para a box do cante. “A ideia é que alguém que entre naquela caixa possa ter a ideia do que é estar mesmo no meio do grupo coral, cantar e ficar gravada a sua performance”, explicou Tomé Pires.

Mas o “karaoke”, como lhe chamou o antropólogo Paulo Lima, que trabalhou nos conteúdos do museu, é apenas uma parte da visita “muito interactiva” que os visitantes vão poder fazer a partir de sábado.

“Podem aceder a uma colecção de registos de áudio desde os anos 30” do século passado, exemplificou o antropólogo, um dos responsáveis pela candidatura que levou à classificação do cante alentejano como Património Cultural Imaterial pela UNESCO.

Através dessa colecção, são desvendadas “algumas coisas curiosas”, nomeadamente ficar a saber que o cante “é uma prática que esteve ligada ao baile, aos instrumentos musicais”, adiantou.

A cerimónia oficial de inauguração do Museu do Cante está marcada para as 19h00 de sábado, na Alcáçova do Castelo de Serpa, e será aberta apenas a convidados, devido à “limitação de espaços imposta pela pandemia”, informou o município em comunicado.

A construção do novo equipamento, cujo projecto de museografia tem a parceria da Direcção Regional de Cultura do Alentejo, representa um investimento a rondar os 350 mil euros, co-financiado em 85% pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do programa Alentejo 2020, acrescentou Tomé Pires.

O cante alentejano, um canto colectivo, sem recurso a instrumentos e que incorpora música e poesia, foi classificado em 2014 como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO.

A candidatura foi promovida pela Câmara de Serpa, em conjunto com a Casa do Cante, que passa, a partir de sábado, a assumir a designação única de Museu do Cante, e teve o contributo da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo, da Casa do Alentejo, em Lisboa, da Confraria do Cante Alentejano e da Moda – Associação do Cante Alentejano.

O impacto da pandemia

Paulo Lima mostrou-se também preocupado com as consequências da pandemia de covid-19 nos grupos de cante, estimando que um terço dos cerca de 180 que existiam pode não voltar a reunir-se. “Não quero estar a inventar, mas estou a dar um valor dentro daquilo que são as minhas suposições”, disse o antropólogo à Lusa.

Na base desta estimativa está a mortalidade provocada pela pandemia em algumas aldeias do Alentejo, “onde havia dois ou três grupos” corais, mas onde também “morreram umas 40 pessoas” devido à covid-19. “Muitos grupos corais estão envelhecidos, e é provável que o rombo seja muito grande”, afirmou o antropólogo.

E, além das possíveis baixas provocadas pelo coronavírus nos grupos corais, há que contar também com outro factor: “As pessoas têm medo” de voltar a juntar-se, frisou.

“O cante é colectivo. Não dá para estar um aqui e o outro a dois metros. Os grupos corais vivem dos convites, dos convívios, e o que noto é o medo. As pessoas não se querem juntar”, concluiu.

Já o presidente da Câmara de Serpa admitiu que o cante “é indissociável do convívio” e que, se as pessoas não se podem juntar por causa da pandemia, “fica mais difícil” os grupos prosseguirem a sua actividade.

No entanto, Tomé Pires afiançou que a maioria dos grupos corais de cante alentejano está “com vontade de voltar a ensaiar e a cantar”, o que deverá ser feito conforme as condições o permitam. “Poderá haver alguns grupos corais com dificuldades, mas temos tentado acompanhar e vamos continuar a fazer um contacto telefónico praticamente todos os meses, com todos os grupos corais”, disse o autarca.