Polémica lei de imprensa gera crise no Governo polaco

Legislação que os críticos acusam de pôr em causa o principal media independente acabou por passar com 228 votos a favor e 216 contra, mas à custa de a Aliança deixar de apoiar o Executivo.

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A lei da imprensa motivou protestos em Cracóvia e em outras dezenas de cidades e vilas da Polónia Lukasz Gagulski/EPA

O futuro do Governo de coligação da Polónia pode estar em risco, depois de um dos partidos da coligação do poder, o Aliança, ter anunciado esta quarta-feira a sua saída do Governo. O anúncio surge um dia depois de o seu líder, Jarosław Gowin, ter sido demitido por se opor a uma lei de imprensa que considera ser um ataque aos media e que motivou protestos pelo país. Depois de um dia conturbado no Parlamento, a lei acabou por ser aprovada.

A crise começou na terça-feira, quando o primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, demitiu o vice-primeiro-ministro e líder da Aliança, após Gowin se ter manifestado contra a lei sobre os media. A saída de Gowin motivou, esta quarta-feira, a saída formal do Governo do partido Aliança, visto como o mais moderado na coligação tripartida de direita que lidera a Polónia desde 2015.

Os 13 deputados da Aliança (entre 460 assentos na câmara baixa do Parlamento), vinham colindido cada vez mais com o principal parceiro da coligação, o partido Lei e Justiça (PiS), nomeadamente sobre as reformas económicas propostas. Com a sua saída, a coligação deixa de ter maioria parlamentar. 

Mesmo assim, Piotr Müller, porta-voz do Governo, mostrou-se confiante, em declarações à rádio pública polaca, que “um número suficiente de deputados” iria “apoiar as reformas benéficas” e que “o Governo Direita Unida vai continuar em funções”.

Os observadores acreditam que o PiS tentou dissuadir individualmente cada um dos deputados do Aliança para se afastarem da posição do seu partido, ao mesmo tempo que tentavam convencer deputados independentes para conseguir os votos suficientes para fazer passar a lei – a imprensa polaca falou em oferta de dinheiro e outros incentivos. 

E, no final do dia, a lei foi mesmo aprovada, com 228 votos a favor, 216 contra e dez abstenções, e passará agora para o Senado.

A oposição pediu e chegou a conseguir o adiamento da votação. Contudo, uma segunda votação acabou por rejeitar esse adiamento, depois da presidente do Parlamento, Elzbiety Witek​, se ter justificado com o facto de não ter avançado uma nova data para a votação da lei. A oposição manifestou a sua indignação, acusando Witek de violar as regras parlamentares ao permitir uma nova votação, depois de ter acordado adiá-la para Setembro.

“O voto de hoje é um ataque à liberdade, um ataque aos media que são independentes do Governo”, escreveu no Twitter Grzegorz Schetyna, deputado do maior partido da oposição, Plataforma Cívica.

Reforma da imprensa

A proposta de lei pretende proibir entidades ou pessoas de fora do Espaço Económico Europeu de deterem media polacos, a pretexto da segurança nacional. Caso passe no Senado, obrigará o grupo norte-americano Discovery Inc. a vender a sua participação no grupo TVN, que detém o principal canal privado de televisão polaco.

Aliás, a medida tem sido classificada como lei anti-TVN – o canal tem sido crítico do Governo e a sua licença expira a 26 de Setembro, depois de as autoridades se recusarem renová-la por mais de um ano.

Para os críticos, Gowin incluído, a lei vai testar a sobrevivência dos media independentes no país. “Esta lei viola claramente o princípio da liberdade de imprensa”, disse Gowin, acrescentando que a mudança levará a um “confronto com os EUA, que são o nosso aliado mais importante do ponto de vista da defesa”.

O Governo nega essa intenção. Mas a proposta parece inserida na vontade do Governo polaco de controlar a imprensa, num país onde os media públicos, como a emissora TVP, se tornaram veículos de propaganda do Executivo. O Governo polaco também tem estado sob fogo devido aos ataques ao sistema judicial e aos direitos LGBTQ+.

Não foi, porém, sem protestos que a medida foi recebida: durante a noite de terça-feira, 80 cidades e vilas foram palco de manifestações contra a reforma. Os manifestantes expressaram o seu receio perante a possibilidade de os meios independentes de informação serem eliminados ou controlados, num regresso à direita aos tempos do comunismo.

“Tenho receio que implementem a censura e que essa seja seguida pela perda de democracia, [e que venha a ser] simplesmente um Estado totalitário”, disse Lucyna Kiderska, em Varsóvia, citada pela Associated Press. “Aos poucos, vamos voltar ao passado”.

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