Covid-19: letalidade subiu em idosos não vacinados ou imunodeprimidos

Letalidade em pessoas com 80 ou mais anos subiu acima dos 12%, depois de ter chegado a ser inferior a 2% em Junho. Prevalência da variante Delta colocou em maior risco os idosos não vacinados e os que já se encontravam em condições de saúde débeis antes da infecção. Ordem dos Médicos pede mais dados.

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Manuel Roberto

A taxa de letalidade da covid-19 tem aumentado nas últimas semanas entre os maiores de 80 anos, de acordo com os dados divulgados diariamente pela Direcção-Geral da Saúde (DGS). De mínimos à volta dos 3% atingidos em Junho, a letalidade está agora acima dos 12%, um valor que já não se verificava desde o final da terceira vaga da pandemia, em Março e Abril. Esta subida pode dever-se a um aumento dos casos de infecção entre pessoas mais velhas não vacinadas, devido à maior prevalência da variante Delta, mais transmissível, e em casos de pessoas que, mesmo vacinadas, têm comorbilidades mais graves e se encontram imunodeprimidas.

O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, alertou precisamente esta terça-feira para um aumento da taxa de letalidade entre os mais velhos, pressionando a DGS a divulgar mais dados que permitam compreender esta subida. O bastonário referiu em declarações à TSF o valor de 13%. De acordo com os cálculos do PÚBLICO, o número actual é de 12,1%. A letalidade foi calculada através do rácio das novas mortes a 14 dias sobre o número de novos casos dos 14 dias anteriores.

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Aumentar

O registo representa um aumento significativo em relação aos valores que se verificavam há menos de dois meses, quando a taxa de letalidade rondava os 2%, tendo mesmo descido abaixo desse número durante a primeira semana de Junho. Os efeitos da vacinação faziam então sentir-se, com uma letalidade baixa a acompanhar também valores da incidência nesta faixa etária extremamente baixos: foi também nesta altura que se atingiram os números mais baixos de casos, com a incidência cumulativa a chegar abaixo dos 30 casos por 100 mil habitantes na faixa de pessoas com 80 ou mais anos.

Nas últimas semanas, no entanto, a prevalência quase absoluta da variante Delta levou a um aumento generalizado do número de casos, uma subida que, segundo os relatórios semanais de monitorização das “linhas vermelhas” elaborados pela DGS e pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), passou a ser generalizada.

Esta tendência só se inverteu na última semana, com a actualização mais recente a dar conta de uma redução da incidência em todas as faixas etárias – com excepção do grupo de pessoas acima dos 80 anos, que tiveram um ligeiro aumento. O cenário levou até que o relatório alertasse para a possibilidade de um “aumento no aumento de internamentos em enfermaria e mortes nas próximas semanas”.

Ainda assim, numa altura em que, de acordo com o último relatório de vacinação, 99% das pessoas com mais de 80 anos já recebeu pelo menos uma dose da vacina e 96% estão completamente inoculados, o que pode explicar a subida da letalidade?

Contactado pelo PÚBLICO, o médico intensivista João Gouveia, coordenador da Resposta Nacional de Medicina Intensiva, refere que o cenário no terreno aponta para casos mais graves em idades avançadas de pessoas que não chegaram a ser vacinadas ou com doenças que as tornam imunodeprimidas, anulando assim o efeito da inoculação.

“Não tenho dados que permitam dizer com rigor o que se passa, mas a ideia que temos quer no hospital [Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte], quer de conversas com colegas, é de que alguns dos doentes mais velhos são doentes que, por alguma razão, não foram vacinados ou têm comorbilidades significativas, normalmente com imunossupressão associada”, explicou ao PÚBLICO, referindo que o perfil do internado em unidades de cuidados intensivos continua a ser mais jovem.

Os casos de pessoas com doenças que as tornam imunodeprimidas acabam por tornar este aumento de letalidade alheio à vacinação, uma vez que esta “dá protecção” às pessoas, mas, pelas comorbilidades que têm, não as afasta do perigo. O médico sublinha que a explicação é de acordo com o “sentimento de quem está a trabalhar”, não tendo dados que corroborem o que tem verificado no terreno.

Efectividade das vacinas contra a variante Delta também entra na equação

A explicação vai ao encontro do que disse a directora-geral da Saúde na conferência de imprensa desta terça-feira. À margem da recomendação de vacinação contra a covid-19 de todos os jovens dos 12 aos 15 anos de idade, Graça Freitas referiu que quem tem morrido são pessoas “muito idosas” e “muito doentes”, com óbitos verificados em pessoas que já tinham a vacinação completa.

A responsável referiu também que o nível de mortalidade é o “expectável” tendo em conta a efectividade da vacina em relação à variante Delta.

“Não nos podemos esquecer que neste momento a variante dominante em Portugal é a Delta, que são necessárias duas doses da vacina para dar protecção, mas mesmo com duas doses há uma faixa da população que não fica imunizada”, justificou.

Na mesma conferência de imprensa, Luís Graça, membro da Comissão Técnica de Vacinação Covid-19, disse também que os números “podem ser enganadores”.

“Na população acima dos 80 anos, 99% das pessoas têm as duas doses e, [tendo em conta que] muitas dessas são pessoas com uma condição muito frágil, uma infecção respiratória, seja por covid ou por outra causa, é sempre uma situação que faz perigar a vida de pessoas que têm uma situação clínica de grande fragilidade”, explicou, referindo que isto não significa que as vacinas não sejam eficazes.

Graça Freitas avançou também que a DGS vai passar a divulgar boletins periódicos que esclareçam se as mortes por covid-19 são de pessoas vacinadas ou não.

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