Por favor deixem os plásticos em paz

O plástico considerado, emocionalmente, por alguns como um material poluente é um material com alto desempenho e amigo do ambiente.

Com grande perplexidade tenho ouvido na comunicação social um discurso alarmista, antipedagógico, pouco informado e não rigoroso sobre os plásticos. O mais impressionante é que a maioria dos que falam dos plásticos falam sem saber realmente o que são os plásticos, ou conhecer o seu contributo para o bem-estar da sociedade!

Não me lembro de ouvir e ler nos meios de comunicação social que os plásticos não poluem, mas quem o faz são os humanos, ou seja, ou plásticos surgem nos oceanos, nos rios, nos aterros, nas ruas, nas estradas, no ecossistema, por acção humana! O que polui é o comportamento das pessoas.

Gostaria que os que têm vindo a público demonizar os plásticos pudessem indicar que materiais substituirão os plásticos, nas seguintes aplicações:

  • Embalagens para alimentos,
  • Componentes de automóveis,
  • Luvas,
  • Equipamento médico,
  • Guarda chuvas,
  • Tendas,
  • Coberturas para as colheitas agrícolas,
  • Etc…

No contexto actual da covid-19, os plásticos deram e continuarão a dar uma contribuição essencial na luta contra esta pandemia, salientando-se as inúmeras vidas que foram salvas devido à sua utilização, em particular, pelas propriedades barreira que evitam eficazmente o contacto com o vírus.

Há tempos, uma ambientalista reagia a um artigo meu, referindo que “o atual contexto tem levado a que representantes da indústria do plástico e alguns investigadores exaltem o papel benéfico dos plásticos para lidar com a pandemia provocada pela covid-19. Nesta linha, representantes da indústria têm reiteradamente utilizado a pandemia para tentar modificar e atrasar a implementação da Diretiva dos Plásticos de Uso Único, de 2019, que visa a redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente. Consideramos este um aproveitamento questionável de um momento delicado para melhorar a imagem dos plásticos e culpabilizar o consumidor pelo mau uso e falta de reciclagem deste material.

A culpabilização do consumidor em relação aos plásticos é uma estratégia já conhecida, utilizada para retirar o foco do que é realmente relevante: a utilização do plástico como a conhecemos até agora não tem lugar numa sociedade evoluída e consciente dos efeitos que tem sobre o meio ambiente que a suporta. Afirmar que “o que polui é o comportamento das pessoas que o deitam nos mares, nos rios, nos aterros, nas ruas” porque “o plástico é uma matéria inerte” é um argumento demagógico e circular, que tem sido já aplicado a outros exemplos por governantes e líderes de opinião de índole populista.

Este longo excerto para além de insinuações difamatórias sobre “representantes da indústria e investigadores”, coloca três questões essencialmente erradas:

1. Dizer que há um aproveitamento (o que sugere um movimento organizado, quiçá dos tais industriais e investigadores), “para tentar modificar e atrasar a implementação da Diretiva dos Plásticos de Uso Único de 2019” é simplesmente tentar alarmar a opinião pública. Aqui, como noutras situações, cumpre separar o fim dos meios. O fim, ou seja, eliminar, o mais cedo possível e organizadamente, as aplicações de plásticos de uso único, nos casos em que isso seja possível e faça sentido tecnicamente, é sem dúvida correcto, quer do ponto de vista teórico, quer prático. Ninguém põe em dúvida que a reutilização de um produto no fim de uma primeira vida está no topo da hierarquia da prevenção de resíduos (como é referido na Directiva Quadro de Resíduos [1]. No mesmo nível preventivo, está a desmaterialização (isto é, a redução do material usado num dado produto, garantindo o cumprimento das especificações). Estes objectivos têm sido implementados ao longo dos anos, consistentemente e com sucesso, pela indústria transformadora de plásticos.

Por todas estas razões, não passa pela cabeça de ninguém impedir o advento daquela Directiva. A própria União Europeia esteve aberta a modificações do seu texto original e procurou minimizar os impactos económicos da sua introdução nos produtores dos países membros; daí advieram modificações e demoras, certamente, mas isso faz sempre parte do processo normativo habitual. Foram estes os meios e foram meios legítimos. É saudável que os argumentos sejam legítimos e intelectualmente honestos.

Acresce que há aplicações em que a reutilização não é possível e outras em que nem sequer é desejável, ou é mesmo perigosa. Na primeira situação encontram-se as embalagens (não todas, obviamente). Na segunda, estão muitos materiais usados em ambientes agressivos ou altamente contaminados que seria imprudente reutilizar. É o caso, por exemplo, de muitos materiais de protecção sanitária. Convém, finalmente, ter em atenção que projectar para a reutilização implica normalmente um produto mais robusto e resiliente, com melhores propriedades mecânicas, por exemplo, maior resistência à abrasão. E isto, por sua vez, implica um maior custo e maior impacto ambiental ab initio. Por isso, as vantagens ambientais da reutilização não são um dado adquirido, mas sempre um balanço cuidadoso entre um maior custo e impacto iniciais e um número crítico de reutilizações. Só acima desse número há verdadeira vantagem e isso nem todos percebem, ou querem perceber.

2. Afirmar que “a utilização do plástico como a conhecemos até agora não tem lugar numa sociedade evoluída e consciente dos efeitos que tem sobre o meio ambiente que a suporta” é uma frase sem sentido, técnica, económica e socialmente. O advento dos plásticos modernos no início do século XX, com a introdução das resinas de fenol-formaldeído, não se traduziu numa produção significativa de plásticos, o que só viria a suceder após a 2.ª Guerra Mundial, em consequência do desejo de ultrapassar privações e consumir mais e dos desenvolvimentos tecnológicos feitos nesse período. Na realidade, a produção mundial de plásticos aumentou exponencialmente desde praticamente zero em 1950 até 359 milhões de toneladas em 2018 [2]. Curiosamente, a curva que traduz a evolução temporal da produção é quase igual à do consumo, o que indica que foi este que determinou aquela. E porque teria acontecido isso? Será porque os consumidores – ou a sociedade - são pouco evoluídos e inconscientes? Ou será porque os plásticos responderam efectivamente a necessidades básicas sociais, alimentares e sanitárias desses consumidores e de uma grande parte da humanidade? Será que ter objectos funcionalmente mais eficientes, leves e baratos, ter alimentos conservados mais tempo, em melhores condições organolépticas e bacteriológicas, com adequada informação ao consumidor (designadamente nutricional) e correcta indicação dos limites de validade, ou protecção adequada contra contágios e poluição não serão as razões essenciais desse crescente consumo? E que dizer à população dos países em vias de desenvolvimento que podem passar fome por inexistirem cadeias logísticas adequadas, nas quais os plásticos, nos diferentes níveis de embalagem, são essenciais?

3. Considerar que o argumento que são as pessoas e não os materiais que poluem é “demagógico e circular” próprio de “governantes e líderes de opinião de índole populista” seria uma afirmação risível se não fosse o perigo que comporta. Na verdade, ela representa a essência do problema que estamos a tentar desmontar. Qualquer pessoa saberá que a má utilização de um objecto ou um material é da estrita responsabilidade de quem o utiliza. Mas dar a entender que não é, que os responsáveis são os objectos ou os materiais, é induzir exactamente o contrário do que se diz querer evitar. É desculpar os responsáveis e permitir a manutenção de comportamentos condenáveis. É dificultar actuações correctivas, através de campanhas de sensibilização, educação e, porque não, se esses comportamentos se repetirem, de punição.

Noutro ponto desse artigo, procura-se diminuir a importância da reciclagem dos plásticos, argumentando que as metas alcançadas em Portugal são muito baixas e que os sistemas instalados “não conseguem fornecer material reciclado suficiente de forma a que se possa reduzir a procura por plástico virgem”. É verdade que a reciclagem material, devido à cadeia logística que exige e às dificuldades tecnológicas inerentes, nunca poderá, por si só, resolver o problema dos resíduos sólidos urbanos (RSU). Mas é também verdade que as taxas de reciclagem têm vindo a aumentar e existe a obrigação de cumprir, até ao fim da presente década, as metas impostas pela Comissão Europeia relativas a resíduos de plástico e à diminuição da respectiva eliminação em aterro [3]. É também preciso salientar que, para lá do objectivo ambiental, a reciclagem em geral e a de plásticos em particular, é um importante facilitador de boas práticas de cidadania e de responsabilização da sociedade, sobretudo entre os mais jovens. E o texto ignora ainda todos os outros tratamentos disponíveis para tratar os RSU, nos quais os plásticos se inserem, designadamente a recuperação com produção de energia, que, apesar de ser a “bête noire” de muitos ambientalistas, é um tratamento social, económica e ambientalmente útil, integrado na hierarquia da Directiva Quadro de Resíduos. Acresce que a incineração de materiais plásticos é particularmente favorável, devido ao seu elevado poder calorífico, comparável ao do petróleo; por exemplo, a energia térmica produzida pela incineração do polietileno, o plástico que predomina nos RSU, é semelhante à necessária para a sua produção, cerca de 43 MJ/kg [4].

Outra afirmação que importa contextualizar é existirem “….estimativas dos cientistas de que 60% de todas as espécies de aves marinhas ingerem plástico e a previsão de que este número ascenda a 99% em 2050”. É, sem dúvida, verdade, que esta e outras ameaças à fauna oceânica, constituem sérios problemas ambientais. Mas importa também perceber donde vêm, no essencial, os plásticos que flutuam nos oceanos. Somos nós – nós, os cidadãos portugueses, da União Europeia (EU) ou do mundo genericamente dito “ocidental” – os principais responsáveis? Não, de todo! A União Europeia é um dos, de facto é o, bloco económico/político com legislação ambiental mais avançada em todo o mundo. As principais fontes da poluição marinha estão noutros continentes, em África e sobretudo, na Ásia, em particular na China e na Índia, tendo como vectores os grandes rios continentais. Estudos bem documentados citam que só 10 desses rios são responsáveis por cerca de 75% da carga total de plásticos transportada para o mar [5]. Somam-se a isto as descargas provenientes dos grandes países insulares, com elevada densidade populacional, como a Indonésia e as Filipinas. Então, se se trata de um problema sério, mas que tem uma origem distante, para quê agredir a opinião pública nacional [e europeia] com afirmações como estas, cuja finalidade última é fazer-nos sentir mal e, com esse sentimento, culpabilizar um material? Não seria muito melhor mobilizar essa mesma opinião pública e, através dela, levar os governos da UE a sensibilizar aqueles países asiáticos e convencê-los a melhorar as suas práticas ambientais?

Um pouco mais à frente, argumentando que é necessário ter em conta o impacto dos materiais plásticos no conjunto dos seres vivos e não apenas nos humanos, faz-se uma afirmação, no mínimo insólita: “Focar, portanto, tanto a fonte do problema como os efeitos no ser humano é pouco correto e sintomático de uma visão antropocêntrica que tem tipicamente tido resultados pouco satisfatórios e danosos no ambiente e, inevitavelmente, na própria saúde humana, como a covid-19 vem comprovar”.

O que é que os plásticos têm a ver com a emergência da covid-19? Com tudo aquilo que já hoje sabemos e sobretudo com o que ainda não sabemos, sobre a origem da covid-19, não será este mais um exemplo daquilo que temos estado a falar? Que é o homem, ao interagir erradamente com o ambiente, os objectos e os animais, a principal causa dos seus problemas? Talvez valesse a pena sugerir aos autores do artigo que visitem a próxima edição do mercado de carne de cães de Yulin, para refrescarem as ideias.

Muito mais haveria a dizer sobre este tema, mas o texto já vai longo. Assim, faremos só uma última observação: os presentes autores dedicaram o essencial da sua vida profissional à indústria e à história dos plásticos e dos moldes para plásticos e, nesse processo, conheceram pessoas e histórias de vida admiráveis. Em particular, conheceram empreendedores e empreendedoras que souberam desenvolver uma indústria de base tecnológica inovadora, que hoje exporta muita da sua produção para os mercados mais exigentes da Europa e do mundo, dando um importantíssimo contributo ao emprego qualificado e à balança comercial do nosso país. Portugal não tem, infelizmente, muitos sectores tecnológicos com a importância deste. Sugerimos que haja mais respeito por esses homens e mulheres e que se estude, com cuidado, a obra de alguns deles.

Por favor, senhores alarmistas e plasticofóbicos, deixem os plásticos em paz, porque eles são necessários, têm revelado características e propriedades superiores aos materiais tradicionais e não esqueçam que amanhã, podem necessitar deles, para substituir os vossos corações.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

[1] Directive 2008/98/EC on Waste. Official Journal of the European Union, L 312/3-30, of 19 November.

[2] PlasticsEurope 2019. Plastics - the Facts 2019. PlasticsEurope Deutschland e. V. and Messe Düsseldorf, October 2019.

[3] Comissão Europeia. Uma Estratégia Europeia para os Plásticos na Economia Circular, Estrasburgo, Janeiro de 2018 e Directivas conexas: 2018/852, de 30 de Maio, relativa a embalagens e resíduos de embalagens; 2018/850, de 30 de Maio, relativa à deposição de resíduos em aterro e 2019/904, de 5 de Junho, relativa à redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente.

[4] A. K. PANDA et al. 2010. Thermolysis of waste plastics to liquid fuel: a suitable method for plastic waste. Management and manufacture of value added products. Renewable & Sustainable Energy Reviews, 14, 233-248.

[5] J. R. Jambeck et al. 2015. Plastic waste inputs from land into the ocean. Science, 347(6223), 768–771.

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