Vamos-lhe chamar Esperança

O bonito desta história está à vista até dos mais insensíveis, o triste é o que esta história não conta, os números grotescos de gente que morre por ignorância e por fome no continente que nos deu a vida humana.

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Quando a miséria se torna normal, os miseráveis tornam-se invisíveis. Era o que estava a acontecer a este menino nas ruas da Nigéria. Durante oito meses andou a vaguear entre olhos que não vêem, porque a família o abandonou nas ruas. Acreditavam que era uma criança-bruxa, enfeitiçada, talvez porque tenha nascido com uma pequena malformação congénita nos órgãos genitais (hipospádia). Vítima da ignorância quase morria à fome até ser encontrado por esta rapariga dinamarquesa, Anja Loven, trabalhadora humanitária, que conseguiu ver o que para tantos era invisível. Deu-lhe de beber e de comer, cuidados médicos e chamou-lhe Hope. Fez com que encontrasse um tecto, uma família, uma escola, amor e carinho, e assim quebrou o enguiço da invisibilidade.

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Passadas oito semanas, as bochechas e os sorrisos desenhavam uma criança saudável. O bonito desta história está à vista até dos mais insensíveis, o triste é o que esta história não conta, os números grotescos de gente que morre por ignorância e por fome no continente que nos deu a vida humana. A ignorância desdobra-se em mil tentáculos. A ignorância que leva à maldade, ao desprezo e à violência. A ignorância das crenças místicas, da desinformação e da ausência de ciência e medicina sólidas. A ignorância dos preconceitos, dos egoísmos e da ganância mórbida. E a nossa ignorância do mundo real que nos rodeia e que torna mortes, sofrimento e a própria fome invisíveis. Passou apenas em nota de rodapé das nossas atenções o prémio Nobel da Paz de 2020, entregue ao Programa de Alimentação Mundial que apenas em 2019 apoiou nutricionalmente 97 milhões de pessoas em 88 países. E segundo estimativas das Nações Unidas, em 2020 seriam 260 milhões de pessoas em risco de morrer à fome, na sua grande maioria em zonas de conflitos armados.

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O que é bonito na história de Hope e de Anja é que mexe mais com as nossas emoções do que o prémio Nobel, porque espoleta um ímpeto para a acção. O invisível torna-se visível. O distante torna-se próximo, e o impossível fica ao alcance de quem o quiser.

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Eu sei que é muito longe, é muito difícil e que são muitos. Mas todos podemos fazer qualquer coisinha, por pequenina que seja, como por exemplo salvar uma vida, e acreditem que a felicidade e a alegria para o mundo e para o nosso mundo interior não são mensuráveis como se pode ver na Anja Loven a levá-lo à escola um ano depois, e a ir acompanhando e vendo o crescimento de uma criança que era invisível, e como tal condenada à morte que quis a sorte transformar em vida longa.

Vamos-lhe chamar Esperança.

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