A Comissão Parlamentar de Inquérito NB vista por dentro - da trincheira à reviravolta

Foi um caminho longo, duro e desafiante. Mas globalmente positivo. Sobretudo para o país, se as recomendações e conclusões forem tidas em conta e levadas à prática. Mais um contributo, mais uma prova superada.

A Comissão de Inquérito terminou com o estrondo mediático que não teve no início. Mas também é natural: houve acusações de “fraude política” e “partidarite”, proclamações de cisões, acusações por parte do PS de existência de aliança entre BE e PSD - o que obrigou mesmo a deputada do Bloco a desferir intervenções inflamadas, e terminando com um relator que acabou por não assumir a redação e o PS a votar contra um relatório cujo relator era um deputado seu. Um final onde houve de tudo e onde só a título de exemplo, expressões como “se o ridículo matasse” ou “caiu a máscara” foram usadas em crescendo nos últimos dois dias da Comissão, levando mesmo o deputado do PCP a recordar a expressão popular “zangam-se as comadres…” e o deputado liberal a referir-se a “birras entre namorados”. Mas o que aconteceu de facto?

O decorrer inicial dos trabalhos indiciava um trabalho aprofundado e sinergético entre todas as forças políticas presentes na Comissão. Do ponto de vista técnico o desafio era gigante: analisar informação de dezenas de entidades, mais de 45 mil ficheiros, disponibilizadas mais de um milhão de páginas. Entre o material confidencial e o tempo condensado entre as dezenas de audições, facilmente se imaginam as noites não dormidas, despendidas em análises, estudos e preparações e a exigência de uma atenção leonina relativamente ao que foi perguntado, ao que os depoentes responderam ou revelaram ou onde entraram em contradição. Foi todo um trabalho exigente e exaustivo, nem sempre valorizado publicamente, mas que teve os seus efeitos, inclusive antes de os trabalhos da Comissão estarem terminados.

Escutaram-se amiúde desabafos comuns que o processo era quase uma auditoria, mas sempre houve presente um sentido de missão, uma vontade de indagar e descortinar a verdade. Mesmo que “essa verdade” conduzisse a destinos diferentes nos diversos deputados. A complexidade era grande, mas o trabalho feito apareceu transversalmente. Foi visível por exemplo nas perguntas colocadas aos depoentes, demonstrando que as preparações “não foram fofinhas” e grande parte das intervenções (o que foi também destacado pelo presidente da comissão, Fernando Negrão) teve um grande nível de qualidade.

Não obstante a existência de colaboração, respeito e de pontos comuns, também as visões diametralmente opostas iam surgindo ao longo das sessões. Mas havia sempre uma expectativa de se conseguir um relatório final em que todos se revissem e que todos aprovassem, mesmo sendo notório ao longo dos trabalhos que alguns partidos se lançaram para a Comissão com o ponto de chegada predefinido.

O que aconteceu então? A leitura que faço é simples: o PS fez uma entrada à leão, a querer recriar a história, e acabou sozinho. Foi mais uma manifestação dos tiques do PS em ser hegemónico e tudo querer controlar, tendo tentado de tudo para “branquear” a atuação do governo socialista e do governador Vítor Constâncio e “culparem” apenas a resolução (aprovando inclusivamente uma proposta do PCP que caracteriza essa decisão como “fraude política”). Haveria sempre considerações políticas devido às matrizes ideológicas, sobre o papel da Comissão Europeia, sobre a possibilidade de nacionalização, entre outros exemplos, mas diria que o PS “exagerou na dose” e correu-lhes mal. Mas correu mal, sobretudo e infelizmente, para a imagem que passou do resultado do trabalho da Comissão, que foi muito mais e melhor do que o final acabou por revelar. A reação às propostas de alteração foi proporcional, mas em sentido oposto (o PSD aprovou mais de 100 alterações ao relatório), numa aprovação que se verificou, na maior parte dos casos, massiva ou até unanime. Só foi possível equilibrar o dito “desequilíbrio” da proposta de relatório devido às propostas de alteração feitas por todos os partidos presentes na Comissão.

Vejo a presença da Iniciativa Liberal nesta Comissão de Inquérito com um orgulho enorme. Para a Iniciativa Liberal foi uma estreia, e logo no papel de proponente. Foi um desafio enorme. Entre o já famoso dom da ubiquidade que lhe é exigido e a manutenção pretendida do grau de competência, a par com outros partidos com dimensão e portfolio sem comparação, seria obviamente difícil e desafiante. E a prova foi, de novo, superada. Para além de intervenções pertinentes nas audições e de ter, por exemplo, feito destacar a entretanto assumida “cultura de secretismo”, sobretudo do Banco de Portugal, a Iniciativa Liberal deu uma visão e tom próprios em prol de como deveria funcionar a supervisão e da defesa do contribuinte.

Para o relatório final a Iniciativa Liberal viu diversas considerações e recomendações suas aprovadas, por exemplo, a clara crítica de que o contrato de venda não protegeu suficientemente o interesse dos contribuintes (o que está sempre no cerne de preocupações), mas também um conjunto de recomendações feitas ao Banco de Portugal no sentido de aumentar escrutínio e transparência, bem como para o funcionamento das autoridades de supervisão financeira. Aliás, em linha com propostas apresentadas ao longo da legislatura no sentido de uma supervisão mais forte e proactiva, integrada, transparente e independente.

Sobre se valeu a pena? Sim, valeu a pena, com todas as partes menos boas - como o episódio do relatório, ou da narrativa anti iniciativa privada que muitas vezes os partidos mais à esquerda se aproveitaram para passar. Entendo que do leque de conclusões emana uma que é óbvia e consensual, a que se refere à falha da Supervisão. Quer no mandato de Vítor Constâncio quer no de Carlos Costa isso ficou evidente, mas também na articulação com a CMVM e ISP/ASF isso ficou bem patente.

Sobre as conclusões, não apenas do relatório mas de toda a Comissão, naturalmente numa visão muito própria, mas que não se dissocia de uma visão liberal. Entendo que fica evidente neste tema uma falha enorme, pois se considero que o Estado não se deve imiscuir num conjunto de atividades, naquelas em que deve estar tem de ser eficiente e eficaz, ou seja, nas poucas, mas essenciais, funções que lhe são exigidas, tem de ser exímio. Ocorre que a regulação e a supervisão constituem justamente um dos pilares fundamentais dessa presença, por isso falharam. E de novo, a Justiça também não fica bem no retrato conjunto. A bem de uma democracia liberal, o funcionamento e credibilização destas funções do Estado tem de ser revista e reforçada.

Um outro aspeto preocupante é aquilo a que frequentemente se chamou de “capitalismo de favor” e de “tristes figuras” dos “grandes devedores”, que não se podem confundir, ou deixar que tentem confundir, com os milhares de empresários sérios, honrados e essenciais para o desenvolvimento da economia. Numa conjuntura como a que estamos a viver, de necessidade de retoma económica era bom que a imagem que perdurasse não fosse essa. Porque umas árvores ou uns arbustos não fazem a floresta.

Numa nota final, naturalmente pessoal, para além de um trabalho não visível e hercúleo dos serviços do Parlamento, por muito que as visões sejam antagónicas e até discorde da própria forma de fazer política de alguns dos deputados ou intervenções que tiveram, infelizmente não passa para a opinião pública, na justa medida, a dimensão gigante de todo o trabalho produzido, tanto em quantidade como em qualidade, e que muito dignificaria quer o Parlamento, quer a imagem dos políticos. Os tristes episódios em torno do relatório final acabam por abafar tudo isso. Mas foi possível tirar muito de trincheiras e fazer a reviravolta. Em resultado fica o conhecimento, a experiência, o contributo para acervo e as recomendações aprovadas.

Foi um caminho longo, duro e desafiante. Mas globalmente positivo. Sobretudo para o país, se as recomendações e conclusões forem tidas em conta e levadas à prática. Mais um contributo, mais uma prova superada.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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