Fernanda Ribeiro venceu ouro olímpico há 25 anos na corrida de uma vida

A mais importante das 12 medalhas em grandes eventos de Fernanda Ribeiro foi conquistada nas Olimpíadas de Atlanta 1996, num ano em que “até tinha dado a carreira como terminada” devido a um problema no tendão de Aquiles.

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Fernanda Ribeiro no pódio dos dez mil metros nos Jogos Olímpicos de Atlanta 1996 Reuters/WOLFGANG RATTAY

Fernanda Ribeiro conquistou a terceira de quatro medalhas de ouro de Portugal em Jogos Olímpicos há 25 anos, em Atlanta 1996, ao ultrapassar na recta final dos 10 mil metros a chinesa e recordista mundial Wang Junxia.

“As memórias têm de ser as melhores. Era um sonho que tive desde criança e lá me tornei campeã olímpica com 27 anos. Passado estes anos todos, claro que me lembro de tudo. Estava com um problema grave no tendão de Aquiles e até tinha dado a carreira como terminada nesse ano”, partilhou à agência Lusa a ex-fundista natural de Penafiel.

Em 2 de Agosto de 1996, o atletismo voltou a colocar a bandeira nacional no lugar mais alto do pódio, de novo nos Estados Unidos, onde, 12 anos antes, Carlos Lopes tinha obtido um inédito ouro na maratona, competição que consagrou Rosa Mota em Seul 1988.

“Lembro-me perfeitamente da prova, porque há pouco tempo fui revê-la. Apareceu-me essa corrida por acaso e estive a recordar-me de tudo. Havia atletas e coisas que já não me lembrava. A primeira vez que fiz isso foi mais ou menos quando cumpri 20 anos de carreira, mas tinha visto e ainda vejo muitas vezes os últimos mil metros”, contou.

Fernanda Ribeiro juntou a medalha olímpica de ouro dos dez mil metros ao título mundial alcançado em 1995, em Gotemburgo, Suécia, e ao ceptro europeu conquistado em 1994, em Helsínquia, batendo a chinesa Wang Junxia, invencível nas 15 corridas anteriores.

“Eu era uma das favoritas, mas a principal era a chinesa, até porque houve apostas nos Estados Unidos e toda a gente apostou nela. Havia ainda a etíope Derartu Tulu, campeã olímpica em título, e éramos mais ou menos as três atletas mais fortes para ganhar uma medalha, sem esquecer outros nomes, como a também etíope Gete Wami”, enumerou.

Enquanto a madrugada do dia seguinte avançava em Portugal, a atleta do FC Porto deixou escapar Wang Junxi na 25.ª e última volta, mas arriscou na perseguição a quase 100 metros da recta da meta, invertendo posições de forma arrebatadora para concluir a prova em 31:01.63 minutos, à frente da chinesa (31:02,58) e de Gete Wami (31:06,65).

“Tinha treinado muito a ponta final. Apesar de acabar muitos treinos a chorar, se calhar o sofrimento que tive durante a época ajudou. Sabia que estava muito rápida. A diferença talvez fosse ela ter saído a 400 metros da meta. Quando assim foi, pensei que já não ganharia e seria segunda, mas depressa também disse que nada tinha a perder”, notou.

Ao “tentar chegar o mais à frente possível”, Fernanda Ribeiro renovou o recorde olímpico dos dez mil metros, retirando 3:58 minutos ao tempo estabelecido pela soviética Olga Bondarenko em Seul 1988, na estreia da distância no programa feminino do atletismo.

“Além do sofrimento do treino, esse ir de trás para a frente sem a chinesa estar muito à espera provavelmente fez um bocadinho a diferença. Normalmente, quando somos ultrapassados, sobretudo numa ponta final, quem vem de trás aparece sempre com mais força, de tal forma que, mal acabe, cansa-se mais e parece que perde tudo”, admitiu.

A penafidelense sentiu que estava em Atlanta “mesmo para ganhar uma medalha”, mas “ficava contente” se tivesse ficado com a prata ou o bronze, desde que adoptasse uma estratégia de “75/76 segundos por volta” delineada com o treinador João Campos, com quem revigorou um percurso custoso na transição dos escalões jovens para o estrelato.

“Acabei a carreira em 2012 e ainda hoje muitas vezes tenho dores e levanto-me agarrada às paredes. O tendão era uma preocupação muito grande e, quando tinha mesmo muitas dores, era complicadíssimo pousar o pé no chão. Ao contrário dos actuais dez mil metros, no meu tempo tínhamos de nos qualificar através de meias-finais. Como nunca consegui correr com sapatilhas nas provas de pista, fiz as provas com sapatos de bico”, observou.

Se “há tanta coisa que podia falhar de um momento para o outro no dia da competição”, Fernanda Ribeiro, que já tinha abdicado dos cinco mil metros para apostar tudo nos dez mil, estava confiante em replicar a pujança mostrada antes da entrada na aldeia olímpica.

“Estive 15 dias a treinar com os atletas masculinos da selecção portuguesa e eles próprios sabem que eu estava muito forte, porque os acompanhava a treinar. Quando cortei a meta, a primeira coisa foi olhar para os portugueses que estavam na bancada. Depois, claro que pensei na família e nos amigos. A minha mãe, a título de exemplo, tinha problemas de coração, não viu a corrida e esperava para saber o resultado”, lembrou.

Sem conseguir “ir pelo seu pé” face à contrariedade no tendão, a porta-estandarte da bandeira de Portugal na Cerimónia de Abertura teve festejos de pouca dura em Atlanta, mas assume que o rodopio de emoções “deixou muita marca” no outro lado do Atlântico.

“Aquela ponta final foi marcante, porque normalmente não se ganham os dez mil metros assim. Tenho muito reconhecimento e ainda me falam nessas provas. Em ano de Jogos Olímpicos sinto muito o agradecimento das pessoas por aquilo que eu fiz”, revelou a vice-campeã da distância nos Mundiais de 1997, em Atenas, e Europeus de 1998, em Budapeste.

Fernanda Ribeiro, de 52 anos, teve cinco participações olímpicas e 12 medalhas em grandes eventos, entre as quais o bronze em Sydney 2000, que valeu novo recorde nacional, com 30:22,88 minutos, ao superar a inglesa Paula Radcliffe perto do fim.

“Não estava bem a nível psicológico e achava que tudo me corria mal. Se tivesse acreditado mais, se calhar tinha sido muito mais. É uma corrida que me deixou muita marca e nunca vou esquecer, mas há uma diferença muito grande entre ganhar um bronze e um ouro: a bandeira sobe na mesma, mas o hino que toca é o nosso”, vincou.