Candidatos excluídos em Macau acusam comissão eleitoral e Polícia Judiciária de violarem lei

Recursos contra a decisão de desqualificação dos candidatos sublinham que “séculos de história do Direito e de luta pela defesa dos cidadãos face ao poder público” serão atirados “para o caixote do lixo” se decisão for validada.

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Sulu Sou, o deputado mais novo da Assembleia Legislativa de Macau, é um dos candidatos excluídos Reuters Staff

Os candidatos pró-democracia excluídos das eleições para o parlamento de Macau acusaram a comissão eleitoral e a Polícia Judiciária (PJ) de violarem a lei, de acordo com o recurso interposto no Tribunal de Última Instância (TUI) macaense. Os candidatos proibidos de concorrerem a um lugar na Assembleia Legislativa (AL) sublinham que “as provas citadas pela CAEAL [Comissão para os Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa] e pela polícia são insuficientes para fazer a alegação de que os candidatos apoiam e incitam a subversão, a secessão ou o conluio com entidades estrangeiras”.

A defesa das três listas excluídas, que integram 15 candidatos, alegou que “os relatórios policiais padecem do que seria um caso de usurpação de poderes, de violação da imparcialidade e de tentativa de interferência na actividade jurídica e política da RAEM [Região Administrativa Especial de Macau]”.

Por outro lado, acrescenta-se, “o ónus da prova é, pois, em matéria de restrição de direitos fundamentais, requisito do Estado de Direito e, logo, princípio legal resultante da Lei Básica, que a CAEAL violou”.

A defesa sustentou que “a Lei Eleitoral não confere qualquer competência à Polícia Judiciária ou ao Secretário para a Segurança para investigar candidatos a deputados para efeitos de determinação da sua elegibilidade”.

No recurso, apontou-se ainda que “os critérios desenhados ilegalmente pela CAEAL são claramente violadores da Lei Básica, da liberdade de expressão, do princípio da proibição do excesso, do direito fundamental a ser eleito e do direito a não ser discriminado por causa das suas opiniões políticas ou de outra natureza”.

Sublinha-se ainda no documento entregue na quinta-feira que “julgar a conduta de cidadãos com base em critérios inexistentes à data da conduta, aprovados secretamente pela CAEAL, não publicados no Boletim Oficial, é absolutamente inadmissível pondo em causa seriamente a credibilidade da mesma”. O recurso acusa ainda a entidade de “usurpação de poderes”, lembrando que esta tem apenas uma função administrativa e não judicial.

A mesma defesa alegou que “a CAEAL não aplicou, de facto, o mesmo critério a todos os candidatos” e que cabe agora “ao TUI, num momento histórico de relevo, cumprir uma das suas mais nobres funções: a protecção dos direitos inalienáveis dos cidadãos da RAEM”.

E sublinhou que, se o tribunal não invalidar a decisão da CAEAL, tal “atiraria séculos de história do Direito e de luta pela defesa dos cidadãos face ao poder público para o caixote do lixo da história da RAEM”.

“Se os Tribunais da RAEM apreciassem a prova como a CAEAL apreciou, não haveria liberdade na RAEM, não haveria segurança jurídica, nem haveria como processar a administração pública com sucesso ou defender-se em processo penal”, salientou.

No recurso, não se pouparam críticas à actuação da comissão eleitoral: “Que retrocesso histórico! A CAEAL apagou a luz numa sala já sombria”, de acordo com o documento.

A CAEAL excluiu cinco listas e 20 candidatos das eleições para a AL agendadas para 12 de Setembro, 15 dos quais associados ao campo pró-democracia, por não serem “fiéis” a Macau.

Na segunda-feira da passada semana, a CAEAL divulgou sete critérios usados para decidir se os candidatos são elegíveis, defendendo a necessidade de avaliar se estes “defendem sinceramente” o território.

Horas antes da entrega dos recursos, na quinta-feira, o chefe do Executivo de Macau afirmou respeitar a decisão da comissão eleitoral, explicando que os nacionais da China devem seguir a lei chinesa. Uma premissa alinhada com anteriores posições públicas das autoridades, nas quais se defendeu: “Macau governado por patriotas”.

“Os nacionais chineses devem seguir a lei chinesa, os portugueses devem seguir a lei portuguesa”, exemplificou.

Na terça-feira, em Macau, o embaixador de Portugal na China afirmou que o país acompanha com “muita atenção” a exclusão de 15 candidatos pró-democracia das próximas eleições. A AL é composta por 33 deputados, 14 eleitos por sufrágio universal, 12 escolhidos por sufrágio indirecto (através de associações) e sete nomeados pelo chefe do Executivo.

A transferência da administração de Macau de Portugal para a China ocorreu no final de 1999. A Lei Básica de Macau, “miniconstituição” do território que é prevista estar em vigor até 2049, define que “os residentes de Macau gozam da liberdade de expressão, de imprensa, de edição, de associação, de reunião, de desfile e de manifestação”.