A melhor história

Entrei no bar da velha associação recreativa onde só havia um par de homens a jogar dominó. Levantei os olhos para o televisor e vi planos apertados de caras angustiadas nas bancadas. Depois, um plano geral do estádio Parken. Uma roda de jogadores, médicos e paramédicos. “O que se passou?”.

Ninguém soube responder. O televisor estava ligado. Mas o jogo de dominó era, para aqueles homens, infinitamente mais interessante do que um Dinamarca-Finlândia. Christian Eriksen tinha caído inanimado e o que se passou a seguir já toda a gente sabe.

Não vale a pena voltar a contar essa história. Mas é impossível pensar no percurso da Dinamarca neste europeu de futebol sem regressar àquele momento. O choque – com peso na derrota inesperada nesse primeiro jogo – transformou-se em força. A equipa superou-se, jogo após jogo, até chegar à meia-final.

Mas há muitos outros bons motivos para contar a história desta Dinamarca. Há Kasper, filho de Peter Schmeichel, que tinha vencido a prova em 1992. Há Mikkel Damsgaard, homem dos grandes golos e estrela para mais um par de grandes competições. E Martin Braithwaite, o pior jogador do Barcelona, que afinal pode ser jeitosinho de lhe pedirem para fazer o que sabe.

Décadas de hegemonia de Hollywood deformaram a forma como olhamos para um epílogo. Havia, por certo, maior conforto num final feliz. Quase todos estaríamos mais satisfeitos se a Dinamarca tivesse, pelo menos, chegado à final da prova, para fechar em glória o que quase começou em tragédia.

Mas a história da Dinamarca neste Euro 2020-e-1 terminou, afinal, em farsa: uma grande penalidade que com, quase toda a certeza, não o era. Por mim, prefiro assim. A história fica melhor. Terei muito mais gosto em contá-la quando estiver a jogar dominó distraído de uma qualquer partida do Euro 2052.

Sugerir correcção
Comentar