Lesados do BES protestam junto ao tribunal que vai julgar Ricardo Salgado
Ex-banqueiro invocou os seus quase 77 anos para não estar presente em tribunal. Por enquanto responde apenas por três crimes de abuso de confiança relacionados com a apropriação de 10,6 milhões do GES.
Cinco antigos clientes do Banco Espírito Santo, em representação dos restantes lesados do BES, manifestam-se esta terça-feira no Campus da Justiça, em Lisboa, junto ao tribunal que vai começar a julgar Ricardo Salgado.
Um deles, Jorge Novo, de 64 anos, conseguiu aproximar-se dos advogados do ex-banqueiro para pedir explicações. “Ricardo Salgado deixou uma provisão no BES que transitou para o Novo Banco”, recordou, exigindo saber o paradeiro deste dinheiro. “Saímos do Porto às 3h para estarmos aqui. Os lesados estão completamente desnorteados”. Os manifestantes fazem parte do grupo que não aderiu à solução encontrada pelo grupo de trabalho constituído para minimizar as perdas dos lesados.
Porém, ao contrário do que esperavam não encontraram Ricardo Salgado, que invocou os seus quase 77 anos de idade para não estar presente na sala de audiências.
Neste processo que deverá começar hoje a ser julgado, depois de dois adiamentos, o antigo banqueiro responde por se ter alegadamente apropriado de 10,6 milhões de euros do Grupo Espírito Santo. São três crimes de abuso de confiança, uma parte ínfima da acusação que lhe foi imputada pelo Ministério Público, e que estava centrada na alegada compra do antigo primeiro-ministro José Sócrates pelo ex-banqueiro. Mas o juiz de instrução Ivo Rosa entendeu que a tese de que o ex-chefe do Governo tinha favorecido os interesses do Grupo Espírito Santo em troca do pagamento de milhões não estava suficientemente sustentada, tendo deixado cair as acusações de corrupção activa que impendiam sobre Ricardo Salgado.
Por isso, os advogados do ex-banqueiro apenas têm de demonstrar em tribunal que três transferências bancárias no valor total de 10,6 milhões, remetidas para sociedades offshore controladas pelo seu cliente em 2011, não foram ilícitas. Pelo menos duas delas vinham da ES Enterprises – o chamado saco azul do GES, outra sociedade offshore criada em 1993 pelos vários ramos da família Espírito Santo para pagar prémios e salários não só aos familiares de Ricardo Salgado como também a outros dirigentes do grupo.
O antigo Dono Disto Tudo alega que este dinheiro era pura e simplesmente um empréstimo pessoal pelo qual até lhe eram cobrados juros, que apenas deixou de pagar quando o BES entrou em colapso e as suas contas foram bloqueadas. E que este não era, de resto, o primeiro empréstimo do género que recebeu. “Tal como a Enterprises fez um empréstimo ao ora Arguido em Outubro de 2011, também lhe fez três empréstimos em 2002 e 2003 (450 mil francos suíços + 45 mil dólares + 2,17 milhões de dólares), que este reembolsou à Enterprises em 21 de Maio de 2007, incluindo juros, porquanto, em Maio de 2007, o ora Arguido pagou a esta os valores de 2.460.711,84 dólares e 481.899,04 francos suíços”, lê-se na contestação dos advogados.
Machado da Cruz tenta remeter-se ao silêncio
O ex-banqueiro propôs à justiça portuguesa devolver o dinheiro de que alegadamente se apropriou em troca de ficar com o cadastro limpo, possibilidade prevista numa disposição do Código Penal. Porém, quer fazê-lo à custa do dinheiro e dos bens arrestados noutros processos que correm contra si: o do colapso do BES e o Monte Branco.
São processos que, ao contrário deste, proveniente da Operação Marquês, ainda não chegaram à fase de julgamento. Ainda não é certo, porém, que Ricardo Salgado não venha a ter de responder pela corrupção de José Sócrates. É que o Ministério Público recorreu da despronúncia de Ivo Rosa para o Tribunal da Relação de Lisboa, cuja decisão se aguarda.
A primeira testemunha a ser ouvida no arranque do julgamento esta terça-feira foi Francisco Machado da Cruz, que supervisionou as contas da Espírito Santo International e das ‘holdings’ não financeiras do GES entre 2004 e 2014. Porém, apesar das insistências do presidente do colectivo de juízes encarregue do caso, Francisco Henriques, o antigo dirigente do grupo – agora desempregado – está a tentar furtar-se a dar qualquer tipo de esclarecimento ao tribunal, alegando que, como foi acusado no processo da derrocada do universo Espírito Santo. Depois de avisado de que podia incorrer em novos crimes com este comportamento, Machado da Cruz acedeu a começar a responder às perguntas dos magistrados e advogados.
Que versaram sobretudo sobre as funções que desempenhou no GES, em especial em Angola, na Escom, empresa liderada por Helder Bataglia. Mas mostrou-se parco em esclarecimentos, ao contrário do que sucedeu quando foi ouvido na comissão parlamentar de inquérito ao BES, quando admitiu que não havia rei nem roque no banco e reconheceu perante os deputados ter ocultado os prejuízos da ESI para mascarar as contas do grupo.